Em 19 de setembro de 1991, um casal alemão em férias nos Alpes, entre Suíça e Itália, deparou-se com o que parecia ser um cadáver cujo tronco emergia da camada de gelo. Eles anunciaram a descoberta ao proprietário de uma estalagem, que chamou a polícia. A suposição inicial era que se tratasse da morte acidental de um montanhista ocorrido talvez há uma década, mas o que se descobriu depois foi surpreendente: o corpo descoberto teria morrido há mais de 5.000 anos e havia sido naturalmente desidratado e mumificado pelo gelo. A múmia recebeu inicialmente diversos nomes, mas, pelo fato de a descoberta ter ocorrido nos Alpes de Ötztal, ela hoje é conhecida como Ötzi.

Quando vivo, Ötzi era um homem de 45 anos, estatura média e devia pesar 50kg. Tinha cabelo castanho comprido e olhos da mesma cor. Cientistas descobriram que ele sofria de doença do carrapato e tinha vermes. Seus dentes estavam bastante gastos e seus incisivos superiores eram separados – o nome técnico é diastema. Sua vida deve ter sido atribulada, pois suas articulações eram bastante desgastadas e seus ossos – incluindo as costelas e o nariz – apresentavam indícios de fraturas. Seus pulmões eram escurecidos pela inalação de fuligem de fogueiras. Seu corpo apresentava mais de 60 tatuagens de linhas e cruzes, que, supõem os cientistas, tinham uma finalidade terapêutica – e não estética -, pois estavam próximas de lugares onde ele deveria sentir dor.

A causa de sua morte foi a hemorragia provocada por uma flechada que cortou a artéria subclávia. Além disso, seu crânio apresentava uma lesão, que pode ter sido causada por queda ou pancada. Especialistas forenses acreditam que ele vinha sendo perseguido, mas não se sabe por quem ou por quê. Tudo indica, portanto, ter se tratado de um assassinato, um crime cometido na Idade dos Metais e só agora parcialmente desvendado.

Graças aos avanços da genética, o DNA de Ötzi foi totalmente decodificado, e sabe-se que sua linhagem paterna deve ter se originado no Oriente Médio, pois é mais comum nessa região e rara na Europa moderna. Seu haplogupo de DNA-Y é o G, um dos primeiros a chegar à Europa, que também é o meu. Nossas linhagens paternas, no entanto, estão separadas por alguns milhares de anos: enquanto a minha (G2a) , carrega a mutação P15, a dele (G2a2b), carrega a mutação L91, surgida posteriormente. Curiosamente, Ötzi e eu temos aproximadamente o mesmo tipo físico e a mesma separação nos incisivos superiores. Somos primos distantes, separados por mais de 5.000 anos.

Ötzi e os objetos encontrados com ele estão em exibição no Museu de Arqueologia do Tirol Meridional em Bolzano, Itália, desde 1998. Em 2018, foi lançado o filme Iceman, do diretor Felix Randau, que conta a história dessa mais famosa múmia europeia.

Iceman

José Araújo é linguista e genealogista.