No texto anterior, demonstrei que os documentos produzidos em cartórios podem conter erros factuais. No caso apresentado naquele texto, o erro estava na data do óbito de meu bisavô materno João Pereira Belém e foi descoberto porque havia registros da imprensa local, mais próximos dos factos, que permitiram conhecer a data correta. Casos assim não são incomuns na pesquisa genealógica, mas parecem ocorrer com alguma frequência quando há antepassados mais remotos que descendam de pessoas escravizadas – pelo menos é o que percebo de minha própria pesquisa familiar.

Descendo, pelo ramo materno, de africanos escravizados e trazidos para o Rio de Janeiro em algum momento entre o século XVI e o século XIX. Em famílias como a minha, se não há antepassados que tiveram algum protagonismo político, cultural ou social ou que se relacionaram com pessoas que tiveram esse protagonismo, pode ser bem difícil obter informações apenas nos documentos paroquiais, que costumavam ser bem sucintos quando os envolvidos eram pessoas escravizadas ou descendentes delas.

Além disso, a existência de muitos filhos naturais entre escravizados dificulta a descoberta de ramos familiares, principalmente os paternos. Meus bisavós paternos João Pereira Belém e Theodora Maria da Conceição, por exemplo, casaram-se em 1900 após ter criado os oito filho que tiveram entre 1879 e 1895. Nos assentos de batismo dos filhos nada se informa sobre os avós das crianças, mas a certidão do casamento tardio informa que

[…] perguntado a cada um dos contraentes se nenhum deles tinha algum dos impedimentos referidos no dito artigo, e responderam ambos que não, pelo que receberam-se em matrimônio segundo o regime comum os ditos contraentes: o primeiro com 52 anos de idade, agricultor, filho ilegítimo de Joaquina da Conceição, o segundo com 48 anos de idade, filha ilegítima de Maria Gaspar, ambos naturais do Distrito de Bananal de Iguaçu, digo, Bananal de Itaguaí […]

Meus bisavós seriam, então, filhos de pais desconhecidos, portanto seus ramos paternos ficariam perdidos para os fins genealógicos se não houvesse outra evidência documental. Essa evidência estaria justamente na certidão de nascimento de minha tia-avó Esmeralda, parcialmente exibida e transcrita abaixo:

Nascimento de Esmeralda Belém, 23/08/1903, Nova Iguaçu – RJ

[…] nasceu uma criança do sexo feminino, de cor parda, filha legítima de João Pereira Belém e Theodora Maria da Conceição, residentes neste distrito, avós paternos Pedro Gomes de Moraes e Joaquina Morais, e maternos Felipe Rangel e […], digo, Maria Laurinda da Misericórdia. A criança há de chamar-se Esmeralda […]

Como a análise apresentada no texto anterior demonstra não restar dúvida quanto à identidade da criança Esmeralda, os nomes dos avós informados em seu registro de nascimento devem ser considerados pistas válidas para a elucidação da identidade os ramos paternos de meus bisavós João e Theodora. A semelhança nos nomes apresentados para a mãe de João Pereira Belém – Joaquina da Conceição/Moraes, provavelmente nomes de solteira e casada – seria um indício de validade. Mas ainda há muito por descobrir sobre esse ramo familiar.


José Araújo é linguista e genealogista.


José Araújo

Genealogista

1 comentário

Chindonga – Genealogia Prática · 13 de agosto de 2020 às 10:32

[…] texto anterior, declarei que a genealogia de afrodescendentes é complexa e que “se não há antepassados […]

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