A busca da cidadania portuguesa pela via da ascendência em judeus sefarditas – ou cristãos-novos – costuma ativar certas pressuposições e equívocos que precisam ser explicados com alguma frequência. Este texto é apenas mais um dos que já escrevi sobre o assunto e traz algumas questões novas. Para ler os outros, clique aqui.

Um pressuposto bastante comum diz respeito à questão dos sobrenomes. Nesse caso, a pessoa que busca a cidadania acredita que tem possibilidades de obtê-la porque seu sobrenome é Pereira, Silva ou outro que ela encontrou em uma lista de sobrenomes sefarditas. Quase sempre essas listas contêm sobrenomes portugueses – e não realmente sefarditas como Benveniste, Serruya -, portanto não têm nenhuma utilidade prática. Além do mais, sobrenomes atuais em uma família provavelmente são bem distintos dos que havia nessa família há três ou mais séculos atrás, quando viveram os ascendentes sefarditas pelos quais se costuma obter a cidadania portuguesa.

Mas existe uma chance de o sobrenome de família indicar uma origem cristã-nova. Essa chance resulta de uma fortuita combinação entre sobrenome, sua manutenção pelas gerações e estado ou cidade do Brasil onde a família teve sua origem. Assim, por exemplo, pessoas que tenham hoje ou em gerações próximas (pais, avós, bisavós) os sobrenomes relacionados abaixo com as indicações de possíveis origens familiares, talvez descendam mesmo de um cristão-novo. O sucesso dependerá da possibilidade de documentar o ramo específico da árvore que seja a origem do sobrenome na localidade em destaque:

  1. Acioly, Cavalcante, Holanda: Paraíba, Pernambuco
  2. Aragão, Ximenes: Ceará
  3. Bicudo: Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo

Outro pressuposto está relacionado aos costumes familiares, como os dietéticos. Sabe-se que a lei judaica proíbe – exceto para evitar a morte por inanição, por exemplo – o consumo de alguns alimentos, que são considerados impuros. A carne de porco é um desses alimentos, e é comum ver pessoas questionando se não teriam origem sefardita porque sua família não consome essa carne. Trata-se de uma interpretação precipitada, pois tanto pode haver alguma relação com um preceito religioso seguido realmente por tradição quanto uma simples preocupação com a higiene na produção da carne – o que ocorria em minha casa, por exemplo.

E por falar em preceitos religiosos, a não observação dos sacramentos da fé católica é um dos fatores pelos quais algumas pessoas deduzem que suas famílias têm origem sefardita. Em minha família paterna, por exemplo, tenho três casos que poderiam induzir a essa interpretação. O primeiro diz respeito ao relato de uma tia paterna de que meu avô não gostava de padres. Ora, ser anticlerical não implica uma origem judaica e suspeito que meu avô tenha sido em algum momento influenciado por seu cunhado – irmão de sua primeira mulher – que deveria mesmo ser anticlerical. O segundo caso está relacionado a um parente distante que questionou a necessidade de pagar multa à Igreja porque sua filha não recebeu o sacramento da extrema-unção. A falta de recursos poderia bem explicar esse questionamento e nada ter a ver com uma origem judaica desse ramo familiar. O terceiro e último caso está relacionado a um primo distante que foi apelidado de grão-rabino, mas acredito que isso tenha ocorrido por maledicência de desafetos.

Finalmente, existem pessoas que ouvem relatos familiares em que acreditam piamente. Um desses – bastante comum, por sinal – é de que seus avós ou bisavós vieram fugidos de perseguições em Portugal. Essas pessoas, então, deduzem que a fuga se devesse a uma perseguição religiosa. Além de uma emigração na busca de oportunidades para sustento da família ou por perseguição política ser mais plausível, é importante ter em mente que a Inquisição terminou em 1821, portanto não faz sentido acreditar que um avô emigrado no século XX tenha fugido para o Brasil por ser cristão-novo – designação que foi extinta pelo Marquês de Pombal (1699-1782) no século XVIII.

Em todos os casos citados, é notável o desconhecimento dos factos e a precipitação nas interpretações deles. Cautela, estudo e pesquisa documental séria e constante são sempre recomendados. Como adendo, preciso informar que, apesar dos três casos citados de meu ramo paterno, não há nenhuma evidência da existência de cristãos-novos até os anos de 1600, quando as pistas documentais se extinguiram para esse ramo em Portugal. Os cristãos-novos que de facto encontrei estavam todos em meu ramo materno, que já se estabelecera no Brasil desde os tempos coloniais.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista