Dizer que a pesquisa genealógica costuma nos apresentar surpresas é como chover no molhado. Nem sempre as surpresas são gratas, mas ainda assim têm o poder de nos assombrar.

Algo que eu poderia descrever como uma feliz surpresa ocorreu há alguns dias quando finalmente descobri o registo de casamento de meus bisavós brasileiros João Pereira Belém e Theodora Maria da Conceição, pais de meu avô materno Enéas Pereira Belém. A transcrição do documento pode ser lida abaixo, com meus destaques:

Número 11. Aos 17 dias do mês de novembro do ano de 1900, neste distrito de Marapicu, município de Iguaçu, Estado do Rio de Janeiro, ao meio-dia na casa de residência e sala de audiências do primeiro Juiz de Paz Major Manoel Pinto Marques, presente este juiz, comigo escrivão de seu cargo, abaixo nomeados os contraentes João Pereira Belém e Theodora Maria da Conceição e as testemunhas José Justino de Oliveira e Luiz Pedro Garcez, pelo juiz foi lido o artigo sétimo e seus parágrafos do Decreto de 24 de janeiro de 1990, e perguntado a cada um dos contraentes se nenhum deles tinha algum dos impedimentos referidos no dito artigo, e responderam ambos que não, pelo que receberam-se em matrimônio segundo o regime comum os ditos contraentes: o primeiro com 52 anos de idade, agricultor, filho ilegítimo de Joaquina da Conceição, o segundo com 48 anos de idade, filha ilegítima de Maria Gaspar, ambos naturais do Distrito de Bananal de Iguaçu, digo, Bananal de Itaguaí e domiciliados neste distrito, os quais declararam no mesmo ato que antes do matrimônio tiveram os seguintes filhos: Pedro Pereira Belém, com 21 anos de idade, João Pereira Belém, com 19 anos de idade, Sérvulo Pereira Belém, com 16 anos de idade, Antônio Pereira Belém com 14 anos de idade, Enéas Pereira Belém, com 12 anos de idade, Adriano Pereira Belém, com 9 anos de idade, Manoel Pereira Belém, com 5 anos de idade, Maria Pereira da Conceição, com 7 anos de idade. Em firmeza do que lavrei este termo que li e vai assinado pelo juiz por Antônio Macedo de Freitas e Olympio Antunes da Costa Suzano, estes a rogo dos contraentes que não sabem ler nem escrever e as testemunhas referidas. Eu José Ferreira da Costa Madeira, oficial do Registro Civil escrevi.

O documento digitalizado, que pode ser visto aqui, explica que meus bisavós tiveram seus filhos muito antes de se casarem, o que só fizeram em idade avançada por razões desconhecidas.

Essa descoberta foi duplamente feliz e surpreendente, pois:

  1. pôs fim a uma trilha incorreta – de que tratarei em outro texto – provavelmente descoberta por causa da existência de homônimos ou por falha em registo e;
  2. exibiu um paralelismo curioso com o ramo paterno de minha árvore, exatamente no mesmo nível, isto é, os dos bisavôs, no caso os portugueses Luís Gonçalves Rebosa e Maria Benedicta Teixeira, pais de minha avó paterna Josepha.

E aqui sua transcrição parcial:

[…] ele, da idade de 43 anos, solteiro, jornaleiro, natural desta freguesia e na mesma batizado e morador […] ella, da idade de 36 anos, solteira, jornaleira, natural do lugar de Safres desta freguesia, e na mesma batizada, filha natural de Maria Pinto, do referido lugar de Safres, […] reconheceram por seus verdadeiros e legítimos filhos, João Luiz, nascido nesta freguesia no dia 8 de junho de 1882 e na mesma batizado no dia 12 do mesmo mês e ano; Maria dos Anjos, nascida nesta freguesia no dia 6 de maio de 1884 e batizada nesta mesma freguesia no dia 23 do referido ano de 1884; Arcelina, nascida nesta freguesia no dia 26 do mês de junho de 1888 e batizada no dia 12 de julho de 1888; Abel, nascido nesta freguesia, no dia 1º de maio de 1890

Não se deve buscar nenhuma explicação lógica para essa coincidência, pois ela inexiste. O paralelismo talvez se explique pelo fato de serem famílias sem posses, que não podiam pagar por um casamento religioso, mas isso só se poderá comprovar mediante a descoberta de outros documentos, tais como testamentos.


José Araújo é linguista e genealogista.