A atividade política não goza de boa opinião perante o povo brasileiro há décadas, e os recentes escândalos de corrupção envolvendo figuras importantes da política nacional certamente não ajudam a mudar esse cenário. Com a rapidez de circulação das informações no mundo contemporâneo, sobra uma impressão de caos generalizado.
Mas – você deve ter pensado – o que teriam as mazelas da política brasileira a ver com genealogia?
Eu respondo: depende do antepassado cuja história se deseja contar e de como sua história se relaciona com eventos ou figuras da política local. De modo geral, pode-se afirmar que a história de todos é diretamente afetada pelas decisões tomadas pelos representantes do povo, porém ninguém me contestaria se eu afirmasse que alguns são afetados mais diretamente e de forma mais irreversível do que outros.
Foi isso o que ocorreu com José Augusto Macedo de Araújo (ca. 1895 – ?), meio-irmão de meu pai que chegou ao Brasil em 1905, vindo de Portugal, com a primeira família de meu avô. José era o filho mais velho, portanto assumiu os negócios do pai e casou-se em 1918, quando deveria ter 23 anos. Jovem empreendedor, José foi exportador de laranjas, fabricante de cerveja e empresário do setor de construção civil, segundo relato deixado em carta por um de seus filhos. Segundo relatos familiares, foi em homenagem a esse irmão que meu pai escolheu meu primeiro nome.
Sempre tive curiosidade sobre esse parente que não cheguei a conhecer. Se, por um lado, lamento não ter convivido com ele, por outro sinto que tenho sorte por ao menos viver em uma época em que a tecnologia me oferece algumas vantagens, em especial a de encontrar fragmentos de sua vida que estão dispersos pelos diversos bancos de dados digitais disponíveis para qualquer pessoa interessada.
Um desses bancos é a Hemeroteca Digital, de que já falei aqui no blog com grande repercussão. Uma pesquisa pelo nome de José, com foco no Rio de Janeiro, forneceu ao menos uma referência relevante em vista do assunto com o qual abri este texto – a política. A referência é uma matéria publicada na página 12 do primeiro caderno do Jornal do Brasil de quinta-feira, 21 de maio de 1964 e intitulada Amaral Neto diz na Câmara que Juscelino e Pinheiro Neto fizeram negociatas.
Não é meu interesse falar aqui sobre o mérito da denúncia de Amaral Netto (1921-1995) ou sobre méritos ou deméritos de JK. O fato relevante é que meu tio é citado na matéria em um evento que, se for verdadeiro, terá sido vergonhoso para qualquer brasileiro que dele tivesse tomado conhecimento. A matéria integral pode ser lida aqui, mas o trecho relevante está destacado abaixo, com meus destaques:
Denunciou ainda o Sr. Amaral Neto que em 1963 delegados da Supra procuraram em Nova Iguaçu, um cidadão português, Sr. José Macedo de Araújo, para anunciar que suas terras – cêrca de 500 mil metros quadrados, plantados com laranjeiras – deveriam ser desapropriadas pelo Govêrno e indenizadas por preço inferior ao que seria pago a nacionais por ser seu proprietário um estrangeiro.
– Depois de aterrorizado, apareceram a êste senhor dois agentes de uma companhia que se chama Rural Colonização S.A., para propor-lhe a compra das terras, mesmo sob a advertência do proprietário de que elas seriam desapropriadas pelo valor declarado no Impôsto Territorial, que era nada – continuou narrando o Deputado Amaral Neto.
Quem conhece a História sabe que o Brasil teve várias passagens de tratamento vergonhoso a estrangeiros que já gozavam da cidadania ou buscavam refúgio, bastando lembrar que Getúlio Vargas, por seu alinhamento com o nazismo, negou refúgio a judeus que buscavam abrigo aqui e entregou a judia Olga Benario, grávida, à Alemanha nazista.
Assim, quer tenha sido por nacionalismo, quer tenha havido mero interesse financeiro, um “cidadão português”, já em idade avançada, que viveu mais tempo no Brasil do que em Portugal e aqui constituiu família, gerou riqueza e emprego, foi tratado como estrangeiro quando cresceu o interesse pela especulação fundiária. Que haja nomes de figuras políticas citadas na matéria não seria, hoje, razão para espanto. O que espanta é reconhecer que, mais de meio século depois, nossa situação apenas piorou.
A transcrição do discurso de Amaral Neto foi solicitada à Câmara dos Deputados por meio da Lei nº 12.527/2011, conhecida como Lei de Acesso à Informação – LAI, e pode ser lida aqui.
José Araújo é linguista e genealogista.
3 comentários
Genealogia Prática - LAI · 27 de outubro de 2017 às 19:18
[…] atualização de um texto anterior, eu mencionava que havia obtido uma prova documental oficial que validava outra que consegui em uma […]
Genealogia Prática - Julgamento · 15 de dezembro de 2017 às 21:36
[…] poderia ficar fora de minhas pesquisas, portanto dediquei a ele, até o momento, dois textos (leia aqui e […]
Genealogia Prática - Polícia · 23 de setembro de 2018 às 18:54
[…] comerciante, era padrinho de José Augusto Macedo de Araújo, o meio-irmão de meu pai em cuja homenagem foi-me dado o primeiro nome. Maximiano, batizado na […]
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