Aos três dias do mês de março de mil oitocentos e noventa e quatro, neste primeiro distrito do município de Iguaçu, cidade de Maxambomba, Estado do Rio de Janeiro, sendo quatro horas da tarde, na casa de residência do nubente Artur Rabelo Guimarães, presentes o cidadão Claudino José Cardoso, juiz de paz do terceiro ano, no impedimento do primeiro ano, digo, juiz de paz primeiro ano e do juiz de paz do segundo ano, comigo escrivão interino do Registro Cível, abaixo assinado e as testemunhas o capitão Augusto Monteiro Paris e o tenente Antônio dos Santos Barbosa, receberam-se em matrimônio, segundo o regime comum e o costume do Estado, Artur Rabelo Guimarães e Argemira Pereira da Silva, ele idade vinte e cinco anos, solteiro, brasileiro, filho natural de Julinda Dias Seabra, já falecida, natural e residente neste distrito; e ela idade vinte anos, solteira, brasileira, filha natural de Maria Pereira do Céu, já falecida, natural e residente neste distrito. Em firmeza do que lavrei este ato em que assinei com o juiz, sendo a rogo da nubente, por não saber ler nem escrever, o alferes Godofredo Caetano Soares e as testemunhas do casamento.

Por muito tempo a identidade do pai de meu bisavô Artur Rabelo Guimarães foi uma incógnita, pois nos registros matrimoniais religioso e civil – este transcrito acima – ele foi identificado apenas como “filho natural de Julinda Dias Seabra”, que era já falecida em 1894, quando ele se casou com minha bisavó Argemira. Apenas recentemente, graças a evidências documentais e genéticas, pude resolver essa questão identificando como provável pai de Artur o cidadão português Antônio Rabelo Guimarães (1846-1888), que viveu na mesma cidade de Nova Iguaçu (então Maxambomba), casou-se e teve filhos com Isabel Gomes Monte. Julinda, ao que parece, foi um relacionamento pontual, pois dos filhos identificados para ela nos livros disponíveis, houve apenas mais um menino, meio-irmão de Artur, falecido com apenas 13 anos, que foi identificado como Manoel Dias Seabra em seu óbito. Suspeito que apenas Artur foi filho do português Antônio e por este perfilhado, mas faltam provas documentais que atestem isso.

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Resolvida a filiação de Artur, restou o problema da filiação de Julinda, que em seu batismo, transcrito abaixo, também foi identificada como filha natural.

Aos cinco dias do mês de julho de mil oitocentos e quarenta e seis anos, nesta freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, batizei sub conditione e pus os santos óleos em Julinda, inocente, batizada em casa em perigo de vida, nascida em vinte dois de fevereiro de mil oitocentos quarenta e três, filha natural de Eleutéria Rosa da Conceição, solteira. Foi protetora Nossa Senhora e padrinho Antônio Soares da Silva. Do que fiz este assento. O vigário Manoel dos Santos Silva

Antônio Soares da Silva, o padrinho, pode ter sido o patriarca de uma família poderosa na região, por isso durante algum tempo suspeitei de que ele pudesse ser o pai biológico de Julinda, mas ela, quando adulta, usou o sobrenome composto Dias Seabra, o que sugeria que seu pai pudesse ter sido outro homem. Felizmente, localizei nos livros paroquiais da freguesia de Santo Antônio de Jacutinga os irmãos de Julinda, outros filhos de Eleutéria, todos, porém, também sem identificação do nome paterno: duas meninas, ambas batizadas como Rita, o que sugere que a primeira delas, nascida em 1839, tenha falecido antes do nascimento da segunda, batizada em 1841; e um menino, batizado em 1835 e falecido pouco depois do nascimento de Julinda, que foi batizado como Dionísio. É dele o registro de batismo transcrito a seguir e que nos dá a única informação disponível sobre a mãe de Eleutéria.

Aos dezessete dias do mês de julho do ano de mil oitocentos e trinta e seis, nesta freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, batizei e pus os santos óleos em Dionísio, nascido há um ano e dois meses, filho de Eleutéria Rosa da Conceição, neto de Anastácia Rosa. Fora padrinhos Mariano Antônio da Silva e Nossa Senhora protetora. De que fiz este assento. O padre Manoel Basílio [Viana], vigário encomendado

O facto de que todas as crianças nasceram entre 1835 e 1843 e tiveram em seus registros de batismo o mesmo nome de mãe e nenhuma identificação do pai reforça a interpretação de que fossem irmãos ou meio-irmãos. Infelizmente, não foram encontrados outros documentos relativos à segunda Rita, que talvez não tenha falecido na infância, o que permitiria saber se também ela adotou o sobrenome composto Dias Seabra. Diante desse verdadeiro vácuo documental, segui com as únicas pistas disponíveis para tentar identificar o pai biológico de minha trisavó Julinda: o ano de seu nascimento e seu sobrenome composto, que pode ter sido também o de seu pai.

Graças à colaboração de minha prima e genealogista Cassia Carauta, que localizou um cidadão chamado Pedro Dias de Seabra vivendo na mesma freguesia naquele período, pude conhecer ao menos um candidato possível a pai de Julinda. Cassia descobriu que esse Pedro chegou ao Rio de Janeiro em 1837 no Brigue Tentador, tendo embarcado na cidade do Porto, em Portugal. Ele era solteiro e tinha 18 anos na chegada, portanto seu nascimento é estimado para o ano de 1819. Ele foi descrito na chegada como um jovem de estatura baixa, rosto redondo, cabelos pretos e olhos castanhos e teria 24 anos quando Julinda nasceu, o que reforça a hipótese de que ele possa ter sido o pai dela.

Encontrei nos livros de escrituras de 1846-1856 do cartório do 2º Ofício de Justiça de Nova Iguaçu uma “escritura de hipoteca especial de todos os seus bens e um escravo” que um Pedro Dias Seabra e sua mulher Maria Laureana de São José fizeram beneficiando Francisco Pinto Duarte. O documento está datado de 16 de julho de 1855, quando Pedro teria já 36 anos, e Julinda seria uma pré-adolescente.

Escritura especial … – CEDIM: Livro de Escrituras e Procurações – 1846-1856

Em pesquisa no arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, foi localizado o processo de casamento (Caixa 1.354, Notação 11.814) de Pedro Dias de Seabra e Maria da Conceição Correa Vasques, datado de 10 de março de 1844, no qual o nubente, que fora batizado na freguesia de São Miguel de Cristelo, foi identificado como filho legítimo de Antônio Dias Pereira Seabra e Maria Joaquina Dias. O processo confirmava que o jovem Pedro havia chegado ao Brasil sete anos antes (1837) e logo fora morar na freguesia de Marapicu, que era vizinha à de Maxambomba. A única questão é que a nubente foi apresentada como Maria da Conceição Correa Vasques – e não Maria Laureana de São José, como consta na escritura descrita antes. Elas poderiam ser a mesma pessoa ou, como sugere a prima Cassia, é provável que Maria da Conceição tenha falecido antes de 1855 e Pedro tenha se casado com Maria Laureana.

Pesquisa nas edições do Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro, disponíveis no site da Hemeroteca da Digital, revelou que Pedro Dias de Seabra ficou estabelecido como negociante no Município de Iguaçu até 1865, quando desaparece a pista documental a respeito dele. A falta de livros paroquiais e a existência de livros danificados impediram que se encontrassem mais pistas sobre Pedro ou sua mulher, e assim não pudemos saber de seus destinos ou mesmo de uma eventual perfilhação de Julinda, que sabemos ter nascido quando ele ainda era solteiro.

Com esse achado, acrescento mais uma pista relevante no esclarecimento da filiação paterna de meus bisavós. Em amarelo, está definitivamente identificado – por prova documental e resultados de exames de DNA autossômico meu e de meus primos maternos – o pai de meu bisavô João Pereira Belém (Pedro Gomes de Moraes). Em vermelho, estão os ainda supostos pais de meus bisavós Artur Rabelo Guimarães (Antônio Rabelo Guimarães) e Argemira Pereira da Silva (tenente Antônio da Silva Amaral), este segundo identificado por resultados de exames de DNA autossômico meu e de meus primos maternos; e o suposto pai de minha trisavó Julinda Dias Seabra (Pedro Dias de Seabra), de quem tratei aqui.

Filiações paternas identificadas

A busca para tornar amarelos os supostos pais destacados em vermelho continua, e em um próximo texto tratarei da ascendência materna de minha trisavó Julinda, mas deixo aqui algumas estratégias para casos similares.

  1. Busque documentos de várias fontes: civis, paroquiais, jornalísticas;
  2. Pesquise documentos relativos tanto os pais quanto os irmãos das pessoas em foco;
  3. Preste atenção a sobrenomes que parecem compostos e distintos dos encontrados na família em foco;
  4. Busque a colaboração de outros pesquisadores.

José Araújo é genealogista.