Minha avó materna Durvalina Rabello Guimarães era filha de Argemira Pereira da Silva, que era filha de pai desconhecido. O nome da avó de Durvalina ficou registrado – Maria Pereira do Céu – , mas nenhum outro documento relacionado a ela foi encontrado, o que a tornou, por algum tempo, o ponto terminal desse ramo de minha árvore familiar. Até que…

A leitura detalhada do registro de batismo de minha avó, transcrito a seguir, trouxe uma informação que mudou esse cenário:

Aos 7 de junho de 1896, nesta matriz de Stº Antônio de Jacutinga, batizei e pus os santos óleos à inocente Durvalina, nascida a 25 de outubro de mil oitocentos e noventa e cinco, filha legítima de Arthur Rabello Guimarães e Argemira Pereira da Silva; foram padrinho[s] Júlio José Soares e Carlota Pereira da Silva.

Embora o assento batismal de minha avó não informe os nomes de seus avós maternos, ele informa os nomes dos padrinhos. E não se pode ignorar que tanto a mãe da criança – Argemira – quanto sua madrinha – Carlota – tinham a mesma combinação de sobrenomes – Pereira da Silva. Quem seriam, então, Júlio José e Carlota? Seriam os pais de Maria? Seriam seus tios? Ou haveria aí apenas um acaso?

A resposta exigiu uma pesquisa específica sobre essas pessoas, que descobri serem um casal, porém jamais casados na igreja ou no civil. Nesse estado, eles tiveram onze filhos identificados até o momento: Josina (1886-1966), Onofre (1887-?), Albertina (1888-1934), Saturnina (1889-1974), Cândida (1890-1900), Orlandino (1892-1894), Antônio (1894-?), Idalina (1895-1971), Pedro (1896-1899), Maria (1897-1899) e Jocelina (1900-1985). Suspeito que Júlio José fosse filho do Tenente-Coronel Antônio José Soares e neto do Comendador Francisco José Soares (1798-1873), responsável pela fundação da Câmara Municipal de Vereadores de Nova Iguaçu e proprietário da Fazenda Morro Agudo, em cujas terras passaram, por sua autorização, os trilhos da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Pelo que parece ser uma enorme coincidência, Antônio – sétimo filho de Júlio José e Carlota – e minha avó Durvalina foram batizados no mesmo dia, e seus assentos encontram-se na mesma página do livro da paróquia de Santo Antônio de Jacutinga, como se vê abaixo.

Batismos de Durvalina e Antônio

E aqui a transcrição do registro de batismo de Antônio:

Aos 7 de junho de 1896, nesta matriz de Stº Antônio de Jacutinga batizei e pus os santos óleos ao inocente Antônio, nascido a 28 de março de mil oitocentos e noventa e quatro, filho natural de Júlio José Soares e Carlota Pereira da Silva; foram padrinhos Antônio Miguel de Oliveira e protetora Nossa Senhora da Penha.

A certidão civil de nascimento do menino, por sua vez, não informa que Antônio era filho de Júlio José – o que já sabemos pelo registro paroquial – , mas traz uma informação mais preciosa: os nomes dos avós maternos da criança e pais de Carlota. É a transcrição parcial dessa certidão que lemos a seguir:

Aos trinta e um dias do mês de março de mil oitocentos e noventa e quatro, neste primeiro distrito do município de Iguassu […] compareceu Júlio José Soares […] e […] declarou que nesta cidade, no dia vinte e oito do corrente mês […] nasceu uma criança do sexo masculino, de cor branca, filho natural de Dona Carlota Pereira da Silva […] natural e residente neste distrito, avós maternos José Pereira da Silva Lisboa, já falecido, e Fermiana Maria de Jesus, a criança há de se chamar Antônio […]

Outras evidências a atestar uma possível relação entre essas pessoas são (1) o registro de nascimento de Antenor (1894), filho de Artur e Argemira, que foi declarado por Júlio José Soares; (2) o apadrinhamento de Nilo (1914), último filho do casal, por Saturnina Pereira Soares, provavelmente a filha de Júlio José Soares e Carlota Pereira da Silva nascida em 1889; (3) o nascimento de um filho de Artur e Argemira que foi batizado como Júlio, talvez em homenagem a Júlio José Soares; e, finalmente, (4) a declaração em cartório por Artur do falecimento de Fermiana, identificada no registro de óbito transcrito abaixo como Fermiana Maria da Conceição.

Aos dezesseis dias do mês de fevereiro de mil oitocentos e noventa e sete, nesta cidade de Maxambomba, em meu cartório compareceu Arthur Rabello Guimarães e declarou que ontem, nesta cidade, faleceu Fermiana Maria da Conceição, brasileira, solteira, com setenta anos de idade, filiação desconhecida […]

Embora pareça haver uma divergência entre o nome da avó materna nos registros dos filhos de Júlio José e Carlota (Fermiana Maria de Jesus) – nascidos entre 1886 e 1900 – e o da mulher cujo óbito foi declarado por Arthur Rabelo Guimarães (Fermiana Maria da Conceição) – falecida em fevereiro de 1897 – , o registro de nascimento da décima filha de Carlota atesta que Fermiana Maria de Jesus / da Conceição era mesmo a mãe de Carlota e Maria Pereira do Céu. No registro de nascimento dessa criança, que recebeu o nome de Maria, pela primeira vez desde 1886 se declara que a avó materna da criança era já falecida – ela falecera no ano anterior. É o que lemos a seguir.

Número trezentos e vinte e quatro. Assento de nascimento. Aos vinte seis dias do mês de dezembro de mil oitocentos e noventa e oito, nesta cidade de Maxambomba, primeiro distrito do município de Iguaçu, estado do Rio de Janeiro, compareceu em meu cartório Júlio José Soares e em presença das testemunhas abaixo enumeradas e assinadas declarou que nesta cidade, no dia vinte cinco do corrente mês, e a cerca de duas horas da tarde, nasceu uma criança do sexo feminino, de cor branca, filha natural de Carlota Pereira da Silva, natural e residente neste distrito, avós maternos Fermiana Maria de Jesus, já falecida. A criança há de se chamar Maria. E para constar lavrei este termo que assina comigo o declarante e as testemunhas Cleofas José Soares e Tomás de Castro Pereira, ambos residentes nesta cidade.

Variações como a observada anteriormente (de Jesus / da Conceição) eram comuns nos nomes femininos naquele século (mais sobre isso aqui), portanto parece resolvida a questão da filiação de Carlota Pereira da Silva e Maria Pereira do Céu em José Pereira da Silva e Fermiana. Esta última deve ter nascido por volta de 1820. Ao declarar o óbito de Fermiana, portanto, Arthur Rabello Guimarães, declarou o falecimento da avó de sua esposa, portanto bisavó de Durvalina, minha avó materna. Eis uma evidência da importância de se extrair dos documentos disponíveis todas as informações registradas neles, ainda que inicialmente não pareçam ser relevantes.

Um aspecto curioso desse ramo familiar é que, segundo o teste de DNA mitocondrial que fiz há alguns anos, todas as mulheres desse ramo – Fermiana, Maria, Argemira, Durvalina e minha mãe – pertenciam ao haplogrupo L1c2a3b, o que significa que elas descendiam de uma mulher africana que foi provavelmente escravizada no Rio de Janeiro.

Atualização: Fermiana teve mais dois filhos além de Maria e Carlota: Preciosa e Francisco da Silva Maia, de quem trato em próximo texto.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista

1 comentário

Desafios – Genealogia Prática · 7 de maio de 2024 às 11:59

[…] (a respeito dessa variação, assista a este vídeo) – e José Pereira da Silva. Felizmente, evidências indiretas me asseguraram que as duas filiações estavam corretas e que Maria Pereira do Céu teve ainda mais seis irmãos, chamados Felizarda, Damiana, João, […]

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