Em os 14 dias do mês de maio do ano de 1626 batizei a Francisco, filho do capitão Mateus de Freitas e de sua mulher Milícia de Oliveira. Foram padrinhos [Gonçalo] Gonçalves e Maria de Moura, mulher de Pedro Martins Negrão. E teve óleos. O vigário Francisco Gomes da Rocha

Sétimo filho de Mateus de Freitas – comandante da infantaria do Rio de Janeiro e depoente no processo do padre José de Anchieta em 1619 -, o menino Francisco foi batizado na igreja de São Sebastião, então Sé da cidade do Rio de Janeiro. Foi para essa cidade que João de Bastos e Maria de Oliveira, pais de sua avó Ana da Cunha, devem ter se mudado nos idos de 1570, pelo que estavam entre os primeiros moradores europeus da cidade fundada em 1565. Ana teria nascido ali, mas teve três irmãs – Maria e Francisca da Cunha e Antônia de Oliveira – que podem ter nascido em Portugal.

Quando completou 20 anos e já era conhecido como Francisco de Freitas da Costa, nosso personagem iniciou seu processo de habilitação para a Ordem de Santiago da Espada, uma ordem religiosa militar de origem espanhola fundada no século XII com os propósitos de lutar contra os invasores muçulmanos e de proteger os peregrinos do Caminho de Santiago de Compostela.

No âmbito desse processo, foram feitas diligências para confirmar a pureza de sangue e os bons costumes do candidato e de seus familiares, pelo que foram tomados depoimentos de pessoas que com eles conviveram no Brasil e em Portugal. É nesse processo que encontramos mais informações sobre a família de Francisco. A começar pela sua ascendência imediata:

Declara que é natural do Rio de Janeiro, cidade de São Sebastião, filho de Mateus de Freitas e de Milícia de Oliveira, neto por parte de seu pai de Francisco Gonçalves e de Mência Álvares, e por parte de sua mãe neto de João Lopes Pinto e de Ana da Cunha. Seu pai e avós paternos naturais e moradores em Vilar, freguesia de Nossa Senhora do Passo, termo dos Arcos de Valdevez; ele suplente, sua mãe e avós maternos naturais e moradores na dita cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Após as formalidades de praxe desse tipo de processo, seguiram-se os interrogatórios baseados em 15 itens que foram respondidos por onze depoentes no Brasil, todos membros da elite da jovem cidade de São Sebastião.

Itens do Interrogatório

Cinco dos ilustres homens da sociedade local – Baltazar de Abreu Cardoso, Braz Sardinha, Francisco de Mariz, Manoel Veloso de Espinha e Sebastião de Sampaio – declararam, em resposta ao item oitavo do interrogatório, que o avô materno de Francisco tinha “fama de cristão-novo” ou de “homem de nação”, mas se escusaram declarando que não sabiam mais porque não eram naturais da terra.

É no depoimento de Sebastião de Sampaio, cunhado de Francisca da Cunha, irmã da avó do candidato, que descobrimos a provável razão para essa fama:

8 – Disse que pelas vias declaradas tem o justificante em conta de cristão velho sem raça de mouro, judeu nem de cristão novo, nem disso ouviu fama, salvo que tendo João Lopes Pinto, avô materno do justificante, uma briga com seu cunhado Manoel de Castilho lhe chamara ‘cão judeu’ na mesma pendência e mais não sabe por não ser natural desta terra e o não ouviu dizer a outrem.

Trecho do depoimento de Sebastião de Sampaio

Esse Manoel de Castilho deve ser o mesmo que recebeu dote para se casar com Maria da Cunha, outra irmã da avó do candidato. Ele terminaria se casando com Catarina Pinto, justamente a irmã do João Lopes Pinto, sobre quem levantaria suspeitas de cristã-novice. Maria da Cunha, sabemos, se casaria com o cristão-novo Domingos Nunes Sardinha.

O caso relatado demonstra o risco que se corria ao almejar uma posição de destaque na sociedade colonial sem prévio conhecimento da origem e da história familiar.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista