Segundo a Wikipédia, as “ligas anticlericais foram organizações políticas contra a Igreja Católica, geralmente de inspiração anarquista, maçônica e ateia, fundadas em diversas cidades do Brasil nas primeiras décadas do século XX”.

Entre os preceitos anticlericais propostos em 1906 pelo maçom Everardo Dias, podemos citar os de não participar dos ritos católicos (batismo dos filhos, casamento religioso e celebração de funerais) nem de atos a eles relacionados (p.ex. o apadrinhamento de crianças e pedidos de missas para os mortos). A doação de esmolas a associações religiosas e a educação confessional também eram veementemente condenadas.

Além de anarquistas, maçons e ateus, associavam-se a essas ligas, durante a Primeira República, espíritas, socialistas e protestantes, entre outros. Os ideários das ligas eram propagados por meio de publicações como A Lanterna (1901-1935), na qual encontramos várias referências ao alfaiate Maximiano de Macedo (1873-?), o qual acredito ter sido o tio e sogro de José Augusto de Macedo Araújo, meio-irmão de meu pai de quem herdei o primeiro nome em homenagem.

Maximiano é citado como um dos responsáveis pela Liga Anticlerical do Rio de Janeiro na tese de doutoramento de Antonio Cleber Rudy apresentada em 2017 ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Na página 3 do exemplar de A Lanterna, publicado em São Paulo em 23/09/1911, informa-se que, na assembleia mensal de 7 de setembro, Maximiano fora eleito para o cargo de contador da liga do Rio de Janeiro. Ele seria reeleito para o cargo nos exercícios seguintes.

Segundo a edição de A Lanterna publicada no sábado, 17 de agosto de 1912, a Liga do Rio realizara, no domingo anterior, uma assembleia na qual Maximiano fez o pronunciamento cujo conteúdo, transcrito da página 3, pode ser lido abaixo com meu recorte e destaques:

Maximiano de Macedo abriu a sessão, agradecendo a todos a sua presença a esse ato. Fez, em seguida, o histórico da existência e da luta que vem travando a Liga em prol do livre-pensamento, desde que esta foi fundada, há quase dois anos, por um grupo de abnegados e corajosos anticlericais. Mostra o futuro brilhante que está reservado à associação a que quase todos os presentes pertencem e, como prova disso, bastava citar o fato de ter sido a mesma recentemente convidada a tomar parte no Congresso do Livre Pensamento a realizar-se no próximo mês de setembro em Munique (Alemanha), já tendo sido enviadas as nossas credenciais ao ilustre escritor Medeiros e Albuquerque, atualmente na Europa, para representá-la nesse importantíssimo certame. Disse mais que a Liga aceitou o convite da Fédération de la Libre Pensée (Federação do Livre Pensamento), da Bélgica, para a ela federar-se, o que era também um fato dos mais auspiciosos, porque vem trazer à nossa ação uma força enorme, força de que tanto carece para combater a invasão, cada vez mais perigosa, da onda jesuítica que está assaltando o Brasil por todos os lados. Prosseguindo, disse ainda que ia mandar descerrar os retratos de dois grandes mártires do Livre Pensamento: Giordano Bruno e Francisco Ferrer. Ao aparecerem as nobre figuras em tamanho natural, as duas vítimas da ferocidade jesuítica, duas prolongadas salvas de palmas fizeram-se ouvir. […]

Em carta ao editor Edgard Leuenroth publicada na página 3 da edição de sábado, primeiro de março de 1913, Maximiano defendia que o jornal passasse a ter periodicidade diária para “assim derramar mais luz sobe tantos cérebros atrofiados pelos homens que se dizem representantes de uma religião que reputamos a mais nociva ao desenvolvimento do progresso humano.” Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris Kossoy afirmam que o jornal , “ao longo dos anos, caracterizou-se por suas caricaturas anticlericais”, das quais abaixo se vê um exemplo.

A Lanterna – 30/10/1909

A posição anticlerical de Maximiano pode ter influenciado a opinião que seu cunhado, meu avô Antônio Maria Pinto de Araújo, tinha a respeito de padres – segundo relato pessoal de sua filha Maria da Penha, minha tia paterna. Talvez a questão anticlerical tivesse marcado a família pelos séculos, quem sabe?

Mas nem só de oposição aos clérigos se constituía o trabalho das Ligas e dos editores de A Lanterna. Os mesmos Maria Luiza Tucci Carneiro e Boris Kossoy afirmam que A Lanterna “reclamava pela liberdade de pensamento e a não ingerência da Igreja em assuntos políticos e, principalmente, no ensino oficial” – ênfase minha. Fernando Antonio Peres explica que, desde seu início, o periódico defendia a educação gratuita e laica, a instrução popular e científica e sem divisão de turmas por sexo. E explica ainda que o grupo editorial de A Lanterna propôs “a criação de escolas nos moldes da proposta de ensino racionalista do educador” anarquista catalão Francesc Ferrer (1859-1909), criador da Escola Moderna (1901), de pedagogia libertária.

Ferrer terminaria executado por seus ideais e, após sua execução, seus seguidores criaram Escolas Modernas associadas aos sindicatos de vários países. A primeira do Brasil foi fundada em São Paulo em 1909. Alguma iniciativa parece ter ocorrido também no Rio de Janeiro, pois,  na primeira página da edição de sábado, 24 de outubro de 1914, A Lanterna informa que ocorrera, na sede da Confederação Operária Brasileira (COB), uma concorridíssima sessão da Liga do Rio de Janeiro em “comemoração (sic) do 5º aniversário do fuzilamento de Francisco Ferrer”. Nesse evento, o primeiro secretário Carlos Lacerda mencionou a existência na capital de uma:

modesta iniciativa escolar, baseada no método de ensino racionalista, em bom local e com mobiliário já pronto, que ainda não funciona por falta apenas de algum recurso com que possa fazer face aos inevitáveis engargos de uma empresa dessa natureza.

Após Angelo Alves ter mencionado que já havia em São Paulo “duas destas escolas em plena florescência”, Maximiano de Macedo mostrou

os recursos de que pode já lançar mão o Comitê da Escola, e que com mais um pequeno esforço das associações, grupos e sindicatos que simpatizam com a obra, poder-se-á iniciar, em breves dias, as aulas, pois temos uma distintíssima professora que nos ofereceu seus serviços logo que assim desejássemos.

Sua fala deixa clara a dificuldade de executar uma proposta educacional revolucionária, portanto à margem do Estado e certamente com plena oposição da Igreja, que era, por razões óbvias, contrária à organização de orientação anarquista.

Não consegui apurar se a iniciativa foi executada nem tampouco se alcançou algum sucesso.  Ainda assim, podemos defender que a simples proposta de uma educação com as bases mencionadas seria um avanço para a época e, de fato, para qualquer época se levarmos em conta o que afirma o historiador Bóris Fausto em seu Trabalho Urbano e Conflito Social:

A utopia anarquista tem paradoxalmente uma grande contemporaneidade. Sua crítica ao sistema educativo e à Igreja, à família burguesa através da temática da igualdade dos sexos, volta-se contra os núcleos básicos da reprodução do sistema e do comportamento autoritário da época.

Nada poderia ser mais contemporâneo que isso.


José Araújo é linguista e genealogista.


José Araújo

Genealogista

4 comentários

Genealogia Prática - Memória · 1 de novembro de 2018 às 10:41

[…] a respeito da vida dele. Tudo o que se sabe até o momento é o que foi encontrado em periódicos, estudos acadêmicos sobre o movimento sindical no Rio de Janeiro do início do século XX e mesmo uma correspondência […]

Genealogia Prática - Alfaiate · 14 de dezembro de 2018 às 22:41

[…] contexto, os operários já familiarizados na Europa com movimentos como o anarquismo iniciaram movimentos de protesto e greves por melhores condições de trabalho e de vida. Segundo […]

Genealogia Prática - Migalhas · 15 de janeiro de 2019 às 00:49

[…] que citei – e na ausência de relatos familiares – pude descobrir sua afiliação ao movimento anarquista, sua participação na fundação do sindicato que lutaria por direitos trabalhistas para sua […]

Genealogia Prática - Flores · 8 de julho de 2019 às 19:18

[…] O projeto de colonização não foi totalmente bem sucedido e muitos imigrantes acabaram saindo do campo e se fixando nas cidades, engrossando a mão-de-obra das fábricas e, para grande preocupação dos governantes do início do século XX, gestando o embrião do movimento operário nacional. Mas isso é história já contada. […]

Os comentários estão fechados.