No dia vinte e sete do mês de junho de mil oitocentos e sessenta e sete pelas duas horas da noite em uma casa sem número nesta freguesia de São João da Pesqueira, concelho da mesma, Diocese de Lamego, faleceu António Júlio Pinto Ferreira, solteiro, de idade pouco mais ou menos trinta e cinco anos, proprietário, Bacharel em Direito, natural da Pesqueira, meu paroquiano, morador na Rua de Albergaria; não recebeu Sacramento algum da Santa Madre Igreja Romana; não fez testamento e foi sepultado no cemitério público. Para constar lavrei em duplicado o presente assento, que assinei. Era ut supra.

O jovem advogado António Júlio não teve uma morte natural, como já expliquei em outro texto. Ele foi assassinado por um desafeto político chamado Polónio, homem rico, que teria morrido na cadeia pelo crime cometido. António Júlio, também já comentei, era um dos filhos de meu primo José Pinto Rebello de Carvalho Souto Pestana (1787-1870), bacharel em Medicina que teve uma vida atribulada e, segundo a lenda, teria morrido pobre no Brasil.

Consta que António Júlio teria uma irmã – sobre a qual ainda não pude encontrar nenhuma evidência – que viera com o pai para o Brasil. Talvez tenha havido outros irmãos, mas o facto de o advogado ter sido assassinado tão jovem e ainda solteiro sugeria que seu pai, o aventureiro bacharel José Pinto Pestana, não teria netos que pudessem ser encontrados em Portugal ou no Brasil. Durante algum tempo convivi com a certeza de que não haveria herdeiros para contar alguma história.

O que parecia ser um ramo interrompido de minha árvore se revelou um ramo ainda verdejante quando descobri, por meio do banco de dados do Projeto Germil, o registo do soldado João Bernardo Pinto Ferreira, filho ilegítimo do advogado com uma mulher chamada Carlota de Lemos. A descoberta foi feita mediante simples digitação dos termos pinto ferreira (sobrenome do pai) e são joão da pesqueira (concelho e freguesia onde vivia a família) no campo de busca da ferramenta.

Segundo o registo, João Bernardo era um jovem de altura mediana – 1,66m -, cabelos e olhos castanhos. Fisicamente seríamos bastante semelhantes. Consta ainda no registo que era proprietário, o que diz algo a respeito da situação financeira de sua família. A partir da data de nascimento informada no registo militar, pude encontrar seu assento de batismo no livro paroquial de São João da Pesqueira. Eis a transcrição desse assento:

Aos nove dias do mês de julho do ano de mil oitocentos sessenta e dois, nesta igreja paroquial de São João da Pesqueira, concelho da mesma vila, diocese de Lamego, batizei solenemente a um indivíduo do sexo masculino a quem dei o nome de João Bernardo e que nasceu nesta freguesia às oito horas da manhã do dia dois de março do presente ano, filho natural, primeiro deste nome, do Bacharel António Júlio Pinto Ferreira, solteiro, Bacharel formado em Direito e advogado nos auditórios desta vila; e de Carlota de Lemos, solteira, costureira, meus paroquianos e moradores na Rua da Carreira; neto paterno do Doutor José Pinto Rebello e de Dona Maria Adelaide Ferreira, e materno de José Vicente de Oliveira e [Iria] de Lemos. Foi padrinho Salvador Paes de Sande e Castro, casado, proprietário, e seu filho António Paes de Sande e Castro, solteiro, estudante, ambos da freguesia de São Thiago desta vila, os quais todos sei serem os próprios. E para constar se lavrou em duplicado este assento que, depois de ser lido e conferido perante os padrinhos, comigo o assinaram. Era ut retro.

João Bernardo teria a infelicidade de conviver com seu pai apenas até os cinco anos, quando, na noite de 27 de julho de 1867, ficou órfão pelas razões que foram informadas no Correio Mercantil de 4 de agosto:

Na noite de 27 de junho último foi assassinado na vila de S. João da Pesqueira, ao recolher-se para sua casa, o Dr. António Júlio Pinto Ferreira, advogado e deputado daquele círculo [na] sessão legislativa que se abriu em janeiro de 1865. Aquele atentado foi praticado disparando o assassino um tiro de bacamarte que feriu o infeliz Pinto Ferreira mortalmente no peito. Ainda viveu algumas horas depois de ferido e declarou que não conhecera o assassino, nem supunha quem seria. Não tinha 40 anos. Era homem de talento e de energia e advogado inteligente e zeloso. A sua morte é profundamente sentida por quantos o conheceram e trataram. É singular a coincidência que três deputados mortos a tiro todos tinham o mesmo cognome – Agostinho Júlio, José Júlio e António Júlio.

Os registos encontrados recuperam parte da história desses parentes e fazem vicejar seu ramo da árvore que parecia estar adormecido. Pena que não haja registos fotográficos que permitam saber exatamente como eram essas pessoas. Mas existe um registo mais pessoal do jovem advogado António Júlio: sua assinatura no assento de batismo de seu filho, cinco anos antes do crime:


José Araújo é linguista e genealogista.


José Araújo

Genealogista