Este é o terceiro texto da série que intitulei factos da vida para o pesquisador em Genealogia. Aqui vou tratar de questões relacionadas às fontes primárias (documentos paroquiais e civis) que costumam gerar obstáculos de graus diferentes ao desenvolvimento da pesquisa genealógica. Como nos textos anteriores, usarei exemplos de minha própria pesquisa familiar, mas tenho certeza de que todo leitor poderá contribuir com seus exemplos. As questões abordadas são a falta de documentos, a dúvida quanto à legitimidade dos filhos de um casal e quanto à cor dos antepassados nos momentos em que esta informação era comum nos registros.

O caso mais simbólico de falta de documentos em minha árvore é o de meu bisavô João Pereira Belém. Seu casamento com Theodora Maria da Conceição ocorreu em 17 de novembro de 1900. O registro matrimonial informa que ele era natural de Bananal de Itaguaí – hoje Seropédica, Rio de Janeiro – e que tinha 52 anos na data do casamento, o que significa que teria nascido em 1847 ou 1848. Mesmo com essas informações, seu assento de batismo não foi encontrado. Mas é seu registro de óbito que causa mais estranhamento: segundo notas publicadas em um jornal da localidade onde ele vivia, ele teria falecido em 26 de setembro de 1921, período em que o registro civil já era vigente, mas nenhuma certidão foi encontrada no FamilySearch nem em cartórios. O livro de registros de óbitos do período parece ter desaparecido, o que deixa uma lacuna não só para mim, mas para inúmeras outras famílias que não puderam contar com a sorte de ter seus obituários publicados no veículo de imprensa citado.

Obituário de João Pereira Belém – Correio da Lavoura

A menção à legitimidade dos filhos era uma questão herdada dos tempos em que os registros vitais eram feitos apenas pela Igreja. Se os pais não eram casados, os filhos eram registrados como naturais. Meu avô e meus tios-avós, por exemplo, nascidos antes de novembro de 1900, foram todos registrados como filhos naturais de Theodora Maria da Conceição, pois ela não era casada – civil ou religiosamente – com meu bisavô João Pereira Belém (1848-1921). Os filhos que eles tiveram depois do já citado casamento em novembro de 1900 – Oscar (1901-1932) e Esmeralda (1903-?) – foram registrados como legítimos. No ato de casamento, meus bisavós reconheceram os filhos – naturais, portanto – que haviam tido antes de 1900, pelo que também eles passaram a ser legítimos. Isso parece confuso, mas pode se revelar uma boa estratégia: se durante a pesquisa forem encontrados batismos ou nascimentos de filhos naturais e legítimos do mesmo casal em determinado período de tempo, vale a pena fazer a busca pelo registro matrimonial desse casal, pois ele pode conter informações úteis sobre o ramo familiar em questão. Infelizmente, nem sempre essa suspeita se concretiza, pois já encontrei em minha pesquisa ao menos dois registros de óbito em que os pais do falecido eram dados como casados, mas nenhum casamento ocorreu de facto.

Informações relativas à cor das pessoas – branco, mulato, pardo, preto – foram comuns nos registros religiosos e civis até a segunda metade do século XX, mas nem sempre foram muito confiáveis. Meu avô Enéas, filho dos já citados João e Theodora, foi identificado como pardo em seu registro civil de óbito. Meus tios-avós e tios – irmãos dele – também receberam essa identificação em seus registros religiosos e civis. Essa recorrência – e também os registros fotográficos de meu avô – me asseguravam que eu era afrodescendente mesmo antes de fazer os testes de genealogia genética. Essas informações podem confirmar suspeitas quando à existência de um ramo afrodescendente, mas sua confiabilidade é sempre limitada, como no caso que encontrei em que uma pessoa parece ter mudado de cor entre dois de seus registros vitais. Diante da suspeita de que talvez se tratasse de pessoas homônimas, foi necessário recorrer a outros dados relativos a tal pessoa para confirmar sua identidade.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista