Acordam os inquisidores, ordinário e deputados da Santa Inquisição que, vistos estes autos, culpas e confissões de Córdula Gomes, parte de cristã-nova, casada com Antônio de Azevedo, lavrador, natural e moradora na cidade do Rio de Janeiro, […] que presente está, porque se mostra que sendo cristã batizada obrigada a […] e crer tudo que tem, crê e ensina a Santa Madre Igreja de Roma, ela o fez pelo contrário e, de certo tempo a esta parte, persuadida com o ensino e falsa doutrina de certa pessoa de sua nação, se apartou da nossa Santa Fé Católica, e passou à crença da Lei de Moisés, tendo-a ainda agora por boa e verdadeira, esperando salvar-se nela.

O texto acima contém a transcrição parcial da abertura da sentença exarada em 1713 pelo Tribunal do Santo Ofício de Lisboa (Processo 968) contra a cristã-nova fluminense Córdula Gomes, filha do “cristão-velho Rodrigo Coelho do Bom Sucesso” e de Isabel de Barros, que tinha “parte de cristã-nova”. O processo informa que Córdula era casada com o lavrador Antônio de Azevedo e que este era cristão-velho. Casamentos mistos como o dela não eram incomuns e poderiam ser uma estratégia para livrar a descendência da perseguição do Santo Ofício (Inquisição).

Capa do Processo 968 – Córdula Gomes – Tribunal do Santo Ofício de Lisboa – Torre do Tombo

Embora Córdula tenha sido acusada de judaísmo por atos descritos nas delações feitas pelas testemunhas, sua ascendência já a tornaria suspeita, pois sua avó materna Inês Aires foi para a prisão por judaísmo com 80 anos de idade e lá morreu. Por essa razão também Córdula e sua mãe são identificadas como tendo “parte de cristã-nova”. O que o processo não dá conta, no entanto, é das origens cristãs-novas de Rodrigo Coelho do Bom Sucesso, o pai de Córdula.

Rodrigo era filho de Antônio Coelho de Oliveira com outra Córdula Gomes – sim, nossa personagem recebeu o nome da avó paterna. O pai desta Córdula se chamava Rui Dias Bravo e era filho de Miguel Gomes Bravo. O pai deste Miguel se chamava Rui Dias Bravo – cristão-novo casado com a cristã-nova Antônia Rodrigues Sardinha, irmã de meu duodecavô Domingos Nunes Sardinha – e era filho de outro Miguel Gomes Bravo – cristão-novo casado com cristã-nova Branca do Porto. Essa recorrência de pessoas recebendo nomes de avós (paternos ou maternos) é a evidência de um costume sefardita já descrito em texto anterior. Todos as pessoas nomeadas aqui eram sefarditas.

Embora não haja evidência de processos contra o pai de Córdula, sua ascendência é claramente cristã-nova, e a prática de dar aos filhos nomes de seus avós paternos ou maternos demonstra a permanência de um costume judaico sefardita. Por essa os inquisidores não esperavam. Córdula, diferentemente de sua avó materna, não morreu nas masmorras da Inquisição e teve descendência.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista

1 comentário

Fugitivos – Genealogia Prática · 29 de maio de 2024 às 15:21

[…] que ambas façam referência a pessoas que viveram em Angola, sendo uma delas um homem da família Bravo, uma conhecida família cristã-nova que tinha importantes negócios em Angola. A menção a uma viúva chamada Maria – […]

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