Entre as ferramentas que julgo mais úteis para pesquisadores interessados na genealogia dos primeiros povoadores da cidade do Rio de Janeiro e arredores está o Banco de Dados da Estrutura Fundiária do Recôncavo da Guanabara, compilado pelo pesquisador Mauricio de Almeida Abreu. É graças a esse banco que tenho conseguido obter informações sobre meus antepassados que não estão disponíveis em obras de grandes genealogistas como Carlos Rheingantz.

Aqui apresento a leitura detalhada de um registro extraído desse banco a respeito do casal João Velho Prego e Antônia Tavares de Oliveira. Antônia era filha de meus undecavós Domingos Nunes Sardinha e Maria da Cunha – que estão entre os primeiros moradores da cidade do Rio de Janeiro – e neta do cristão-novo Duarte Nunes. Eis o texto do registro extraído da base de dados:

Escritura de venda de chãos que faz Antônia Tavares de Oliveira, viúva do Sargento-mor João Velho Prego, a Domingos Rodrigues Resende – com seis braças de testada e 10 de quintal, sitos por detrás das casas de Maria da Cunha, sua mãe, já defunta, fazendo canto com a travessa que vai para a rua onde esteve o açougue de Mariano de Linhares, partindo pela outra banda com chãos do Capitão Francisco de Lemos Peixoto, chãos havidos por dote de casamento em 25/11/1642.

Datado do primeiro dia de fevereiro de 1669, esse breve registro de transação comercial traz uma riqueza de informações temporais, factuais e geográficas sobre a vida de Antônia e seu marido que talvez não fique evidente à primeira vista. Para começar, ele informa que, no momento da lavratura da escritura de venda, Antônia era já viúva do sargento-mor João Velho Prego, portanto sabemos que ele faleceu antes de 1669. Na obra Primeiras Famílias do Rio de Janeiro, Carlos Rheingantz estima que João Velho tivesse falecido antes de 1682, mas o registro encontrado nos permite afirmar que o óbito do sargento-mor ocorrera pouco mais de uma década antes.

A escritura informa ainda que a propriedade vendida fora recebida pelo casal como dote de casamento em 25 de novembro de 1642. Rheingantz estima que Antônia e João tenham se casado “por volta de 1649”, pois a primeira filha identificada do casal foi batizada com o nome de Madalena em junho de 1650 na Igreja da Candelária. Entre o dote e o nascimento da menina Madalena há um intervalo de sete anos. Isso nos leva a questionar se o casal demorou a ter geração, se o casamento foi postergado ou se ocorreu logo no ano seguinte ao dote (1643) e o casal teve outros filhos antes do nascimento de Madalena que ainda não foram identificados.

Finalmente, a escritura fornece três referências para localização dos chãos vendidos pelo casal, das quais a única que parece ter sido descrita na literatura histórica é a que diz respeito ao açougue de Mariano de Linhares. Em artigo da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, lê-se sobre uma localização “na rua dos Pescadores, esquina da rua da Candelária, que naquela época era conhecida por canto do açougue de Mariano de Linhares”.

Segundo a obra Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, de Vivaldo Coaracy, lê-se, na página 517, o seguinte verbete sobre a tal Rua dos Pescadores:

PESCADORES – Na base do morro de São Bento, partindo do local onde hoje se acha o Arsenal de Marinha, um braço de mar penetrava pela terra até, mais ou menos, a altura da Avenida Rio Branco. Em ocasiões de grandes marés, aconteceu mais de uma vez reunirem-se as águas deste braço com as de outro, que entrava pela Prainha [Observação: atualmente a Praça Mauá], deixando o morro em situação de ilha, como havia sido nos tempos pré-históricos. À beira do referido saco estabeleceram-se, em modestas choupanas, pescadores, formando uma pequena comunidade. E esta foi a origem da Rua dos Pescadores que se formou com a dissecação do ramo de mar, causada pelo recuo das águas e pelos aterros. Já existia em 1610, com esse mesmo nome que conservou até 1868 quando, em reconhecimento dos serviços prestados pelo almirante Joaquim José Ignácio, a Câmara Municipal lhe deu o nome de Visconde de Inhaúma, inalterado até hoje. Era uma rua estreita e feia que se estendia do cais dos Mineiros ao largo de Santa Rita.

O mapa abaixo mostra em que imediações ficariam os chãos vendidos por Antônia.

A possibilidade de localização de informações sobre os locais onde viveram nossos antepassados acrescenta uma importante camada na compreensão das histórias de suas vidas.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista