Fazer pesquisa genealógica no Brasil é ter de enfrentar uma questão muito complexa: a dos sobrenomes. Se durante boa parte do século XX seguiu-se um costume de batizar os filhos legítimos com o sobrenome da mãe seguido do sobrenome paterno – houve exceções, eu sei – , a pesquisa em registros de dos séculos anteriores nos põe diante de possibilidades como filhos que na idade adulta adotavam o sobrenome da família paterna e filhas que adotavam o da família materna ou um sobrenome devocional – da Conceição, de Jesus, de São José – o que torna mais difícil a pesquisa porque este não traz nenhuma indicação dos sobrenomes familiares. Não bastasse isso tudo, havia pessoas que adotavam outro sobrenome na idade adulta e não necessariamente um que tivesse relação com os de sua família.

Já contei aqui a história de meu antepassado Francisco Antônio, que nasceu 19 de abril de 1746 na linhagem dos Pereira de Faria de Santa Maria do Abade, Portugal, e adotou a forma Pereira Belém no Rio de Janeiro por razões ainda desconhecidas. Foi Pereira Belém o sobrenome que chegou a um dos ramos de minha família materna. Mas nem todos os filhos de Francisco seguiram a tradição que ele inaugurou na nova terra que escolheu para viver. Houve, na verdade, alguma incerteza quanto à forma escolhida. Estou falando especificamente de seu filho João, que deve ter nascido por volta de 1790. Em 1834, no inventário de sua mãe Joana Maria de Jesus, João – então já falecido – foi identificado como sendo um Pereira Belém, como vemos a seguir, junto com a relação de seus filhos: Domingos (1812), Francisco (1814), João (1820), Leocádio (1823) e Fausta (1825).

Inventário de Joana Maria de Jesus (1834) – Arquivo do TJRJ

Tudo indicaria que tanto pai quanto filhos tenham sido identificados como Pereira Belém, exceto a menina Fausta, que, com apenas nove anos de idade, já era conhecida pelo devocional de Jesus. Mas o próprio João Pereira Belém é identificado de outra forma nos registros relacionados a seus filhos, como no casamento de seu filho Domingos, visto seguir. Observe-se que tanto o noivo Domingos quanto seu pai são nomeados como Pereira de Farias e não como Pereira Belém.

Casamento de Domingos Pereira de Faria (1834) – Nova Iguaçu

Não bastasse toda essa inconstância, Leocádio, quarto filho de João Pereira Belém / Pereira de Faria, decidiu escolher um sobrenome todo seu na idade adulta: Pamplona Cortes. Ou quase todo seu, pois havia na época um conhecido comendador chamado Leocádio Pamplona Cortes Real. Essa autoridade talvez tenha sido o padrinho de batismo de Leocádio, e este pode ter desejado homenagear o padrinho importante adotando parte de seu sobrenome. Abaixo se vê o assento do último dos três matrimônios que Leocádio teve com suas primas Pereira Belém em que ele não é identificado nem como Pereira Belém nem como Pereira de Faria.

Casamento de Leocádio Pamplona Cortes (1862) – Itaguaí

Casos como os descritos não são necessariamente raros e podem causar muita confusão para o pesquisador iniciante. A sugestão é buscar o máximo de documentos disponíveis sobre a pessoa que parece ter mudado seu sobrenome e confrontá-los com outras fontes na geração acima e abaixo dessa pessoa.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista