Em texto anterior, apresentei a hipótese de que o cidadão João Pacheco de Peralta, que supus “ter nascido na virada do século XVIII para o XIX”, seria um descendente de meus antepassados Cordeiro de Peralta que passaram da Bahia ao Rio de Janeiro em meados do século XVII. Esse ramo descendia do cirurgião e cristão-novo Afonso Mendes, mais conhecido como Mestre Afonso, que chegou a Salvador da Bahia com Mem de Sá, terceiro governador-geral do Brasil, em 1557. A comprovação da hipótese – ou sua refutação – dependeria das informações que eu pudesse encontrar em quatro documentos que eu soube, mediante pesquisa na plataforma Sophia, estarem disponíveis para consulta no Museu da Justiça do Rio de Janeiro. A consulta aos documentos foi agendada para 19 de agosto, quando pude ter acesso a eles e fotografá-los. Aqui apresento o que descobri pela leitura de tais documentos.
Três dos documentos eram inventários, um deles citando como inventariada uma mulher chamada Ana Maria de Azeredo, que inicialmente supus ser mãe ou esposa de João Pacheco de Peralta. O quarto documento era uma citação para que “no termo de três dias [contados a partir de 17 de agosto de 1830]” João fosse ao juízo da vila de Angra dos Reis para “dar princípio ao inventário dos bens que ficaram pelo falecimento de sua tia D. Ana Maria de Azeredo“. Essa citação esclareceu a relação entre João e Ana, embora, até então, eu desconhecesse a existência de um ramo Azeredo na linha descendente dos Cordeiro de Peralta, portanto seria necessário ler os três inventários.
O maior dos inventários, iniciado em 1839, dava como inventariados ou defuntos, “Manoel Homem de Azeredo e sua mulher” e como inventariante nosso conhecido João Pacheco de Peralta, identificado como filho dos anteriores. Com isso fica esclarecido que João era filho de Manoel e que a já citada Ana Maria de Azeredo era sua tia paterna. O documento informa que o pai de João havia falecido em 1819 e sua mulher, em 1827. No “título dos herdeiros”, ele revela que João, na época de maior idade, tinha seis irmãos, todos adultos e solteiros: Maria Isabel, Eugênia Rosa, Ana dos Passos, Rosa Maria da Conceição, Antônia Maria da Conceição e Belchior Homem de Azeredo, este “falecido no estado de solteiro e no testamento com que faleceu instituiu por herdeiro a Francisco Homem de Azeredo, idade 17 anos.”
Após a relação dos bens que entraram na partilha, os herdeiros questionaram o direito do jovem Francisco Homem de Azeredo, “filho, segundo dizem, de Belchior Homem de Azeredo”, já falecido, com quem declararam que nem seus pais nem eles tinham “parentesco algum como se depreende da certidão junta em que se mostra” que declarava que este havia sido batizado como exposto, portanto levantando dúvida quanto ao pertencimento dele ao núcleo familiar. O assento de batismo abaixo contém a informação em que os irmãos se basearam para questionar o direito desse suposto herdeiro falecido e de seu filho.
Aos treze de maio de mil setecentos e noventa e dois, pus os santos óleos e batizei solenemente a Belchior, que foi exposto em casa de Manoel Homem de Azeredo ao primeiro deste corrente mês. Foi protetora nossa Senhora da Conceição e da Ilha Grande e padrinho Bernardino Homem de que fiz este assento.
Essa demanda pareceu causar algum estresse entre os herdeiros legítimos, e as autoridades e João pediram que o escrivão da igreja fornecesse o registro matrimonial do casal falecido, identificados no documento por seus nomes completos: Manoel Homem de Azeredo e Rosa Maria da Conceição. Como o registro não foi encontrado, restou esclarecido que bastava o assento de batismo de Belchior, transcrito acima, a declarar que ele não era filho legítimo do casal para excluí-lo da partilha. Adicionalmente, solicitou-se que se juntasse ao processo a certidão de batismo do primeiro filho do casal inventariado. Esse pedido foi providencial, pois esclareceu a ascendência do primogênito João Pacheco de Peralta, como lemos na transcrição seguinte.
Ao primeiro de agosto de mil setecentos e setenta e nove, nesta paroquial igreja de Nossa Senhora da Conceição da Ilha Grande, batizou o padre doutor José de Almeida Proença Campos e pôs os santos óleos, de licença, a João, filho legítimo de Manoel Homem de Azeredo e de sua mulher Rosa Maria da Conceição, ambos naturais desta freguesia, neto pela paterna de pais incógnitos e pela materna de João Pacheco de Peralta, natural da freguesia de São João de Meriti, termo do Rio de Janeiro, e de sua mulher Eugênia Moreira, natural desta freguesia. Foram padrinhos Pedro Manoel Homem de Azeredo e Ana Maria de Azeredo.

Assim descobrimos que o Pacheco de Peralta lhe veio por seu ramo materno e ainda que, segundo a tradição, ele recebera o mesmo nome de seu avô e ainda escolhera os sobrenomes dele para usar na idade adulta. João Pacheco de Peralta, o avô nascido em São João de Meriti, era irmão de meu heptavô Miguel Veloso de Carvalho (1738-1808), descendente direto do cirurgião Afonso Mendes. Essa descoberta confirma a hipótese apresentada no texto anterior e esclarece que as irmãs Vanessa, Vanja e Viviane, nascidas na década de 1970, compartilham comigo essa ascendência, que já lhes comuniquei.
O terceiro documento analisado foi um “inventário amigável” que os descendentes de João Pacheco de Peralta fizeram em 1852, após sua morte. Nesse documento se revelam os nomes de todos os filhos que ele tivera com Brígida Maria do Espirito Santo, identificada como uma mulher parda. No texto anterior, pude encontrar apenas quatro desses filhos: Agostinho Pacheco de Peralta, Bernardino Pacheco de Peralta, Manoela Maria da Conceição Pacheco de Peralta – antepassada direta de Vanessa, Vanja e Viviane – e Maria Rosa de Peralta. Pelo inventário amigável encontrei ainda Raimundo Pacheco de Peralta e Fortunata Pacheco de Peralta, que foi casada com o cidadão Manoel Isidoro das Neves.
Deixo registrado meu agradecimento à equipe do Museu da Justiça do Rio de Janeiro pelo atendimento prestado e pela infraestrutura oferecida aos pesquisadores que buscam acesso às fontes documentais.
José Araújo é genealogista.