Meu sexto-avô Antônio Luiz Pereira Soares é um dos meus antepassados para quem tive a sorte de conseguir documentar nos dois eventos extremos de sua vida: o nascimento, em 25 de abril de 1726, em Valença do Minho, Portugal; até seu óbito, em 20 de novembro de 1794, na vila de Nossa Senhora da Piedade do Iguaçu, no Rio de Janeiro. Ele era filho do alferes Manoel Pereira de Barcellos e sua mulher Francisca de Souza Soares e Castro, pelo que se vê que, na idade do crisma, ele escolheu seguir com o Pereira de seu ramo paterno e o Soares do materno. Foi deste segundo ramo que recentemente encontrei mais informações.
Há tempos pude descobrir que Francisca de Souza, mãe de Antônio Luiz, era filha legítima de Antônio Filgueira Soares e Francisca Rosa, ambos naturais da vila de Melgaço, mas a pesquisa ficou estagnada por falta de mais informações a respeito desse casal. A situação apenas mudou quando me ocorreu pesquisar nas fontes digitalizadas da plataforma Digitarq pelo nome de Antônio Filgueira. Nessa busca encontrei seis registros: quatro Cartas de Padrão relativas a tenças – pensões – de valores variáveis para suas filhas Francisca de Souza, Josefa Maria Filgueira, Maria Antônia de Castro e Ana Maria Soares; e uma “tença de 12$000 réis e Hábito de Cristo por conta dos 40$000 prometidos“.
Mas foi no sexto documento – uma habilitação para a Ordem de Cristo – que tive informações mais interessantes sobre a história e a genealogia de Antônio Filgueira. A Ordem de Cristo foi uma das mais importantes ordens militares e religiosas de Portugal, herdeira direta da Ordem dos Templários, que fora extinta pelo papa Clemente V em 1312, mas teve seus bens protegidos em território português pelo rei D. Dinis. Essa ordem teve atuação importante na Reconquista e no financiamento das Grandes Navegações. Para se habilitar a essa ordem, um candidato precisava comprovar ser filho legítimo; ser puro de sangue, pelo que não poderia descender de judeu ou mouro ou ainda de pessoa condenada pela Inquisição; e ter boa reputação moral e social.

No quesito da boa reputação, o candidato precisava comprovar que seus antepassados não apresentaram defeito mecânico, ou seja, realizaram ofício manual; de servidão ou consideradas indignas da nobreza. A leitura do processo, no entanto, revelou de início que as coisas seriam complicadas para Antônio, pois logo na primeira página do documento se lê que o candidato, que era já “maior de cinquenta anos”, era “filho natural” e que “sua mãe foi tecedeira e costureira; e os avós maternos, lavradores jornaleiros”, comprovando o defeito mecânico. Ele já sabia – ou fora informado – de que tal origem seria um impedimento a sua pretensão, por isso, em oito de dezembro de 1702, se adiantou para apresentar petição ao rei Dom Pedro II (1648-1706) de Portugal, cognominado o Pacífico, para dispensá-lo dos impedimentos. E para tanto ele só poderia contar com sua folha de bons serviços prestados à coroa.
Logo na página seguinte, informa-se que ele havia sido “soldado pago, infante alferes vivo e reformado e ultimamente com praça singela de soldado por espaço de 15 anos, dez meses e três dias”. Adiante, se informa que Antônio atuara, em 1663, no “exército que passou à Galícia a tomar o forte de Goián e no trabalho de uma praça real que se obrou debaixo do risco do exército do inimigo”, estando ele entre os primeiros que tomaram de assalto o tal forte, “saindo ferido com um golpe muito penetrante na cabeça de que esteve em perigo de morte”. O ferimento não inutilizou o soldado Antônio para a guerra, pois, em 1665, ele participou de outra ação na Galícia, junto a Vigo, onde destruiu vilas e tomou o forte de Santa Cruz, onde parece ter sofrido outro golpe na cabeça que o deixou muito mal.
O processo segue narrando de forma sucinta outras atuações de Antônio em 1666, 1667, 1680 e 1681, pelo que se supõe que ele passara parte importante de sua juventude nos campos de batalha e talvez apenas tenha retornado a sua terra para se casar entre 1667 e 1680, quando pode ter tido algumas das filhas nomeadas nas cartas de tença citadas. Por sua dedicação, o rei declarou que lhe concedia:
tença de doze mil réis e efetivos para os ter com o hábito da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo que lhe tenho mandado lançar [para] satisfação dos quarenta mil réis com que foi respondido, porquanto dos vinte e oito mil réis que faltam para cumprimento deles se lhe passaram padrões a suas quatro filhas de sete mil réis a cada uma […].
Graças a esse processo de habilitação pude conhecer a história de vida desse antepassado de quem meu sexto-avô herdou o prenome, talvez por conta do costume, talvez por conta do conhecimento de seu status conquistado na sociedade por sua bravura e sofrimentos, apesar da origem humilde.
José Araújo é genealogista.