Descendentes de europeus que chegaram no Brasil a partir da segunda metade do século XIX – mais especificamente entre entre 1883 e 1932 – podem ter ouvido histórias sobre a Hospedaria da Ilha das Flores, localizada na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Nesse local eram recebidos os imigrantes que aguardavam uma oferta de emprego, os que esperavam o transporte para um emprego já garantido e também os que necessitavam de tratamento médico. A ilha propriamente dita, que anteriormente fora conhecida como de Santo Antônio, do Martins, Meruhi e Marim, deve seu nome atual ao nome de uma de suas proprietárias – Delfina Felicidade do Nascimento Flores -, que deve tê-la adquirido no início do século XIX, muito antes que o governo enxergasse seu potencial.

À ilha eram transportados os imigrantes de terceira classe que desembarcavam no Porto do Rio de Janeiro, até mesmo como estratégia para que não sofressem com as inúmeras epidemias que assolavam a capital. Lá poderiam ficar gratuitamente por até oito dias. Uma vez desembarcados no local, eram alojados nos dormitórios e tinham seus dados – a procedência, o nome do navio, a data de entrada, o número de ordem, o nome, a idade, o estado civil, a nacionalidade e a profissão – anotados por um escrivão, e os livros que contêm esses dados estão disponíveis para consulta no sítio do Arquivo Nacional brasileiro. Após o registo, os recém-chegados eram examinados pelo médico local.

Refeitório da Hospedaria. Ilha das Flores. Sem data. Autoria desconhecida. Coleção Marilene Martins de Almeida.

A Ilha das Flores foi, de facto, o local onde várias levas desses imigrantes conviveram durante algum tempo e tiveram o primeiro contato com a nova terra e sua cultura. Sobre esta última, a propósito, podem-se mencionar as dificuldades com a comida local, que frequentemente lhes causava grandes dissabores e, em função de impedimentos religiosos de certos grupos em relação a certos alimentos – como a carne de porco – deu margem a alguns conflitos. No recurso interativo abaixo podem ser vistas algumas imagens recentes do local, que hoje está sob administração militar, mas é aberto à visitação de terça a domingo, das 9h às 17h, pois lá funciona, desde 2016, o Museu da Imigração.

Essa onda imigratória, é importante lembrar, foi em grande parte estimulada pelo governo não só para substituir a mão-de-obra escrava nas lavouras, como também para embranquecer o já bastante mestiçado povo brasileiro. Embora alguns imigrantes viessem já contratados e com despesas pagas da Europa, outros vieram por conta própria em busca de oportunidades, que no caso se traduziam na posse de terras para produção – em um projeto de colonização do governo.

O projeto de colonização não foi totalmente bem sucedido e muitos imigrantes acabaram saindo do campo e se fixando nas cidades, engrossando a mão-de-obra das fábricas e, para grande preocupação dos governantes do início do século XX, gestando o embrião do movimento operário nacional. Mas isso é história já contada.


José Araújo é linguista e genealogista.