Este texto dá continuidade a uma série iniciada em outro no qual justifico, com bases genéticas e documentais, minha ascendência no tenente Antônio da Silva Amaral e em sua esposa Leocádia Clara de Souza – ou em alguém diretamente relacionado a um deles pelo sangue – e que teve sequência em outro texto no qual me dediquei a esclarecer a filiação do tenente. Aqui o foco é a busca da filiação de Leocádia, de quem pouco se sabe além dos fatos de que teve com Antônio seis filhos e três filhas – das quais duas tinham nome composto contendo Clara – e de que viveu nas freguesias fluminenses de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande – como observamos a seguir no assento de batismo de seu filho Inácio – e de Santo Antônio de Jacutinga. O que se apresenta a seguir deve ser entendido como uma hipótese a respeito de sua filiação elaborada a partir da análise de alguns padrões e costumes da época.

Batismo de Inácio

Aos dezessete de novembro de mil oitocentos e quarenta e oito, nesta matriz de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, batizei e pus os santos óleos ao inocente Inácio, filho legítimo de Antônio do Amaral e Leocádia Clara de Souza. Foram padrinhos o capitão Antônio Félix Cabral de Melo e Maria Gualberta Cavel de Lima. De que fiz este assento e assinei. – O vigário padre Belizário Cardozo dos Santos

Diante da ausência de provas documentais, restam poucas pistas que podemos seguir, e a primeiras delas está na constatação de que Leocádia teve um sobrenome de família – de Souza – e não um nome devocional – da Conceição, de São José – , como era comum no século XIX. Isso já é uma pista e tanto, pois sugere um sobrenome que estaria em sua ascendência direta. A informação sobre as duas freguesias fluminenses relacionadas ao casal sugere que uma delas poderia ter relação com a origem dos pais de Leocádia. Outro aspecto que pode ser considerado na busca é o costume, que existia naquela época, de dar aos filhos no batismo o nome do avô paterno ou materno. Isso não significa que Leocádia teria uma avó homônima, mas é uma possibilidade que não se pode desprezar. Finalmente, existe a questão da idade: era comum que as mulheres fossem mais jovens que seus maridos e que se casassem a partir dos 14 anos, pelo que podemos estimar que ela tivesse nascido após 1808 – suposto ano de nascimento do tenente Antônio da Silva Amaral – e perto de 1834, 14 anos antes do nascimento de Inácio. Como esse filho pode não ter sido o primogênito, é prudente usar um período menos extenso: 1808-1830.

Munido dessas pistas, parti em busca do registro de batismo de uma menina chamada Leocádia que tivesse em sua ascendência o sobrenome Souza; que tivesse nascido depois de 1808 e antes de 1830; que poderia ter uma avó também chamada Leocádia; que poderia ter uma antepassada que tivesse o nome Clara como prenome isolado ou em composição com outro nome; e que poderia estar relacionada à freguesia do Desterro ou à de Jacutinga. Embora fosse uma busca tão cheia de detalhes, pude encontrar o assento abaixo, de uma Leocádia que foi batizada na freguesia de São José em maio de 1819. Eis o texto desse assento:

Aos dois dias do mês de maio de mil oitocentos e dezenove, nesta matriz de São José do Rio de Janeiro, batizei e pus os santos óleos a Leocádia, inocente, nascida aos quinze de abril, filha legítima de Antônio José de Souza e de Maria Leocádia dos Santos, recebidos nesta matriz. Foram padrinhos André de Oliveira Pontes e Luiza Clara da Conceição por seu procurador Antônio José Nolasco. De que fiz este assento _ O coadjutor Loureço Mendes de Vasconcelos

Como o assento revela que os pais dessa Leocádia foram recebidos, isto é, casaram-se, na mesma igreja onde a filha foi batizada, não foi difícil localizar o assento matrimonial do casal. E ele revelou que a madrinha de batismo da menina parece ter sido a avó materna, não obstante o nome estar grafado no batismo de Leocádia como Luiza e no assento abaixo como Luzia.

Aos vinte e quatro dias do mês de dezembro de mil oitocentos e dezesseis anos, nesta matriz de São José do Rio de Janeiro, de tarde, em minha presença e das testemunhas abaixo assinadas, com papéis correntes e provisão do muito reverendo juiz dos [casamentos] Antônio Marcelino da Silva, na forma do sagrado Concílio Tridentino e constituição do bispado, se receberam em matrimônio por palavras de presente Antônio José de Souza, filho legítimo de Inácio José de Souza e de Tomásia Joaquina de Ataíde, natural e batizado na freguesia de Nossa Senhora da Madre de Deus da vila de Porto Alegre, na capitania do Rio Grande do Sul [deste bispado] com Maria Leocádia dos Santos, filha legítima do capitão João Crisóstomo Rodrigues e de Luzia Clara da Conceição, natural e batizada na freguesia de São Pedro […] de Torres Vedras do patriarcado de Lisboa […]

O segundo assento revela que Leocádia Clara de Souza parece ter recebido seu sobrenome familiar pelo ramo paterno e que pelo ramo materno lhe teria vindo o nome composto por Leocádia (de sua mãe Maria Leocádia) e Clara (de sua avó materna Luiza Clara). Até este ponto, portanto, a menina batizada em 1819 parece atender aos critérios de nomeação e idade para ser a esposa do tenente Antônio de Souza Amaral. Interessa também destacar que os nomes do avô paterno de Leocádia – Inácio – e de sua avó materna – Luiza – parecem ter sido dados a dois de seus filhos com o tenente – Inácio da Silva Amaral e Luiza Clara da Silva – , conforme o já citado costume daquela época.

É com relação às freguesias – Desterro e Jacutinga – que poderiam estar associadas à vida de Leocádia que encontramos falha, pois ambos os atos apresentados acima foram celebrados na freguesia de São José. Felizmente, a pesquisa extensa compensou, pois revelou que Leocádia não foi a única filha do casal Antônio José de Souza e de Maria Leocádia dos Santos. Nos anos de 1821, 1822 e 1825 eles tiveram, respectivamente, José, Antônio e Laureana, todos batizados na mesma freguesia. O assento de batismo de Laureana, exibido abaixo e transcrito a seguir, nos revela que freguesia foi essa.

Batismo de Laureana

Aos dez dias do mês de fevereiro de mil oitocentos e vinte e cinco anos, nesta freguesia de Campo Grande, no oratório da fazenda do Bangu, batizou e pôs os santos óleos o reverendo Antônio Joaquim de Freitas a Laureana, filha legítima de Antônio José de Souza e de Maria Leocádia, neta paterna de Inácio José de Souza e de Tomásia Joaquina; e pela materna neta de João Crisóstomo Rodrigues e Luiza Clara. Foram padrinhos Simplício dos Santos e sua mulher Laureana Rodrigues do Espírito Santo. De que fiz este assento.

Essa revelação de que os filhos que se seguiram a Leocádia foram batizados na freguesia do Desterro parece contribuir para a interpretação de que sua família se fixou por ali e que talvez Leocádia tenha se casado nessa freguesia com o tenente Antônio da Silva Amaral, afinal ao menos Inácio, filho deles, foi lá batizado. Todas essas pistas – ano de nascimento, padrão de nomeação e vínculo com a freguesia do Desterro – sugerem que eu possa ter descoberto a filiação de Leocádia Clara de Souza e sua ascendência, que tem ramos gaúchos, pernambucanos e açorianos, neste caso alcançando mesmo o judeu Rui Capão.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista