Em agosto de 2022 divulguei nos grupos temáticos do Facebook um formulário com a finalidade de obter dados sobre a forma como os brasileiros praticam a Genealogia. Esse formulário trazia questões de cunho demográfico e sobre atividades como a elaboração de pesquisa familiar e a contratação de testes genéticos. Cento e quinze pessoas responderam minha convocação e aqui apresento alguns dados e as leituras que eles propiciaram a respeito de temas cuja discussão me parece relevante.

Em termos demográficos, a maior parte dos respondentes era de pessoas com idade entre 21 e 60 anos que se autodeclararam brancas (74%) e moradoras na região Sudeste, tendo havido maior participação de pessoas de São Paulo (35%), Rio de Janeiro (19%) e Minas Gerais (10%). Apesar da limitada amostragem, esses indicadores sugerem que a Genealogia parece ainda não atrair os mais jovens. A baixa participação de respondentes que se identificaram como não brancos – houve 23% de pardos, 3% de pretos e nenhum indígena – leva a pensar no porquê de um aparente desinteresse pelo conhecimento da história dos antepassados esses pessoas que se identificam com esses grupos.

Apesar de os testes de genealogia genética terem seus preços cada vez mais acessíveis, as respostas fornecidas a respeito deles reiteram a discrepância evidenciada antes: pessoas brancas contratam esses testes com frequência maior (52%) que pessoas pretas (17%) e pardas (3%), novamente com predominância dos mesmos estados do Sudeste: São Paulo (27%), Rio de Janeiro (15%) e Minas Gerais (6%). Isso talvez ajude a entender o que parece ser uma baixa representatividade de amostras de pessoas não brancas e de outras regiões nos resultados das plataformas dos laboratórios e nas discussões em grupo temáticos do Facebook.

Apesar de a amostragem obtida ser tão pouco representativa da população afrodescendente, a maioria (82%) dos 60 respondentes autodeclarados brancos que fizeram um teste de genealogia genética teve confirmada uma ascendência africana de que já tinha conhecimento. Desse universo, no entanto, 29% declararam que nunca se aprofundaram no assunto, ou seja, aparentemente não tiveram interesse em buscar saber mais. Em minha experiência de autor tanto de obra de divulgação quanto de curso sobre genealogia afrodescendente, observo há algum tempo certo desinteresse pelo tema no público que busca capacitação geral para pesquisa.

Resultado de Teste de DNA Autossômico – MyHeritage

O aparente desinteresse a respeito da genealogia afrodescendente e a baixa representatividade dos autodeclarados pretos e pardos – e especialmente dos indígenas – na pesquisa genealógica para mim parece preocupante, pois sinaliza que grande parte da população pode estar privada do autoconhecimento e do conhecimento de mundo que a Genealogia proporciona a quem a pratica. Essas pessoas dificilmente saberão da história de vida de seus antepassados ou legarão suas próprias histórias de vida a seus descendentes.

A Genealogia não pode mais ser entendida como um passatempo, como algo fútil ou exclusivo para pessoas brancas de classe média. Por todo o valor que nela se observa, defendo que poderia até se tornar uma prática em âmbito escolar sob a forma de projeto em que se apliquem de forma transversal conhecimentos da História, da Geografia, da Língua Portuguesa e da Biologia. Por meio desse projeto, se poderia comprovar, entre outras coisas, que a construção da pátria onde vivemos se fez mais frequentemente pela agência de pessoas que não pertenciam às elites do que pelos feitos – hoje sujeitos a reinterpretações – dos personagens históricos que por muito tempo povoaram os livros escolares.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista