A Genealogia tem despertado grande interesse de pessoas que antes talvez nem se interessassem tanto pela história familiar. Atribuo parte desse interesse à busca por outras cidadanias que se tornou uma verdadeira febre há algumas décadas. Pessoas que chegaram à Genealogia por razão assim tão pragmática acabaram muitas vezes se apaixonando pela pesquisa e deram seguimento por conta própria ou com ajuda de grupos dedicados ao tema. Talvez nesse mesmo grupo – ou naqueles que se apaixonaram pela pesquisa da história familiar por outras razões – percebo algumas atitudes que despertam atenção e é a elas que respeitosamente dedico este texto, ainda que para alguns se sintam desapontados com o que lerão.
A descoberta de antepassados – ou familiares colaterais – que tiveram títulos de nobreza é algo que pode ocorrer na pesquisa genealógica e faz muitos corações palpitarem. Ter uma ligação genealógica verdadeira com a realeza pode ser muito interessante, mas não pela razão aparente de se ter sangue azul, e sim pela ligação com pessoas cuja genealogia foi esmiuçada por séculos. Isso teoricamente seria vantajoso para fazer alguns ramos da árvore familiar subirem por várias gerações, mas aqui é necessário fazer três alertas:
- Algumas genealogias nobres podem conter incorreções e até fraudes deliberadas, pois as famílias podem ter desejado ocultar ou mascarar uma origem não tão nobre. Para o bem da veracidade que a Genealogia exige, deve-se ter muita cautela antes de confiar em genealogias nobres;
- A maior parte da nobreza do Brasil do século XIX não era, como dizemos hoje, raiz, pois os títulos eram fartamente distribuídos a pessoas que prestassem serviços relevantes à coroa e ao imperador. É por isso que surgiram tantos nobres – barões, principalmente – no Brasil durante o período em que a corte portuguesa aqui viveu;
- Um brasão de nobreza com seu sobrenome não tem o menor valor se você não for um membro da nobreza que tenha herdado um título hereditário. Se quiser ter um apenas para exibir aos amigos, tudo bem, mas tenha em mente que é apenas uma brincadeira.
Outro ponto que desperta algum frisson é a descoberta de uma origem quatrocentona, como se dizia no século passado quando se descobria antepassados nomeados na Genealogia Paulistana de Silva Leme. Não pretendo discutir aqui por que o termo quatrocentão ficou datado, mas preciso alertar que qualquer pessoa que tenha raízes familiares no Brasil que alcancem os séculos XVIII-XIX pode ter antepassados citados não apenas na GP, mas em várias outras obras genealógicas. Os troncos familiares descritos nessas obras eram prolíficos, tendo até uma dezena de filhos, sempre com grande penetração territorial. Outro ponto a ser mencionado é o uso do termo nobreza na mesma GP, que tinha razão no contexto em que a obra foi escrita, mas que nem sempre dizia respeito à verdadeira nobreza titulada. Por isso é sempre recomendável fazer uma leitura bem crítica dessa e de outras obras, se possível com fundamento em pesquisa documental, como se tem feito recentemente.
Finalmente, é preciso lidar com a questão da escravização e com os factos de que muitas pessoas brancas poderão descobrir que têm ascendência em africanos escravizados, e de que muitas pessoas pretas poderão descobrir que descendem de escravocratas. Descender ao mesmo tempo do escravizado (indígena ou africano) e do escravizador (colonizador, senhor de engenho, bandeirante) é algo que poderá dizer respeito à história de qualquer brasileiro com origens familiares coloniais – meu caso, por exemplo. A pesquisa genealógica não serve para o julgamento nem para a exaltação, portanto é importante estudar a História, as formas de exploração das elites e de resistência dos oprimidos para transmitir a história deles às gerações futuras sem idealizações ou apagamentos.
Absolutamente nada deveria ser ocultado, mascarado ou exaltado.
José Araújo é genealogista.