Dizem que o amor é cego e que o coração tem razões que a própria razão desconhece. Mas nem sempre faltam razões para explicar o que poderia ser apenas um caso de amor. A diferença de idade entre os cônjuges, embora seja tranquilamente explicável por razões afetivas, por vezes pode ter outras explicações. Vejamos um caso que extraí de minha árvore familiar.
O casamento de Manoel de Carvalho com Maria Delfina de Macedo Pinto, tia de minha bisavó paterna, ocorreu em março de 1852. Não pude encontrar o assento de batismo de Manoel para confirmar sua idade na época do casamento, mas o assento de casamento de seus pais foi encontrado e informa que a celebração ocorreu em 27 de novembro de 1819, portanto Manoel deve ter nascido após essa data.
Abaixo a transcrição:
Aos 12 dias do mês de março do ano de 1852, eu Antonio Rodrigues Pinheiro, abade colado nesta igreja matriz de Nossa Senhora da Assunção desta vila de Barcos, em face dela, na presença das testemunhas abaixo nomeadas e assinadas, com licença do Exmo. [] senhor bispo, assisti à celebração do matrimônio de presente dos contraentes Manoel de Carvalho e Maria Delfina, aquele filho legítimo de Antonio de Carvalho e Luísa Emília, esta filha legítima de Francisco Pinto do Souto e de Luisa de Macedo Veiga, naturais desta vila de Barcos. Foram testemunhas José Antonio de Araújo e José Maria da Silva Barradas, desta vila, que comigo assinam. Era ut supra. – o abade Antonio Rodrigues Pinheiro
Também não pude encontrar o assento de batismo de Maria Delfina, mas encontrei seu assento de óbito, no qual se informa que ela faleceu aos 90 anos, em 1868, e ainda casada com Manoel Antonio de Carvalho. Com essa informação, deduzimos que ela deve ter nascido por volta de 1778, o que significa que ela se casou com Manoel quando já contava 74 anos de idade.
Abaixo a transcrição:
Aos 31 dias do mês de maio do ano de 1868, nesta freguesia de Barcos, concelho de Tabuaço, diocese de Lamego, na casa número cinco, às dez horas da noite, faleceu, tendo recebido todos os sacramentos da Santa Igreja, um indivíduo do sexo feminino por nome Maria Delfina de Macedo Pinto, de idade de 90 anos, casada com Manoel Antonio de Carvalho, natural desta freguesia, moradora na rua da Fonte, filha legítima de Francisco Pinto do Souto e de Luisa de Macedo Veiga, proprietários e naturais desta freguesia, a qual fez testamento e não deixou filhos e foi sepultada no cemitério público desta freguesia. E para constar se lavrou em duplicado este assento que assino. Era ut supra. O abade Antonio Augusto Tavares
Casamentos com grande diferença de idade não eram raros, mas, via de regra, homens mais velhos casavam-se com mulheres mais novas. Um casamento assim pouco comum, embora pudesse ser explicado por razões do coração, poderia também ser justificado pela necessidade de garantir a permanência dos bens dentro de um determinado grupo familiar ou “de reunir os bens”, como explicam Queiroz e Moscatel. Afinal, Maria Delfina devia ser solteira quando se casou e, por razões óbvias, não teve filhos, o que não garantiria uma herança a descendentes.
Mas, até que se encontre o testamento de Maria Delfina e se saiba mais sobre esse ramo familiar, isso é tudo o que se sabe sobre o casal.
José Araújo é linguista e genealogista.