No Brasil, diz-se que futebol, política e religião são assuntos que não se devem discutir. Hoje, com o acirramento das posições à esquerda e à direita – o que quer que isso queira significar no Brasil -, mais do que nunca essa afirmação parece refletir a verdade. Em termos políticos, creio estar alinhado com o liberalismo de meu admirado e distante primo José Pinto Rebello de Carvalho, tantas vezes retratado aqui no blogue.
Em família, no entanto, esse não era um assunto discutido, o que justifica minha surpresa ao descobrir, mediante pesquisa na Hemeroteca Digital, que parentes muito próximos de meu ramo materno podem ter tido relação com o Partido Comunista do Brasil. Os fatos que me levam a essa suposição ocorreram em função da eleição presidencial de 1945, momento de democratização após o fim do Estado Novo, quando o Partido Comunista do Brasil (PCB, na época) lançou o engenheiro gaúcho Yeddo Fiúza (1894-1975) a candidato.
Yeddo formou-se engenheiro em Porto Alegre e radicou-se no estado do Rio de Janeiro, onde foi indicado prefeito da cidade de Petrópolis após a Revolução de 1930. Em 1936 foi eleito prefeito da mesma cidade. O interessante é que ele não militava no partido nem era comunista.
A campanha pela vitória do candidato do povo mobilizou a cidade de Nova Iguaçu, onde viviam meus parentes maternos. Tanto foi que os nomes de três parentes foram citados em matéria da Tribuna Popular de 27/11/1945. A matéria pode ser lida aqui. Abaixo, a página de trecho da matéria com meus destaques.
Manifesto à População de Nova Iguaçu
A Comissão Municipal de Nova Iguaçu Pró Candidatura Yeddo Fiúza, composta dos srs. tenente Roberto Cabral, presidente; professor Gilberto Alves dos Santos, secretário geral; Júlio Rabelo Guimarães, tesoureiro; Deoclécio Machado, dr. José Brigagão Ferreira e Dionísio Bassi, propaganda, acaba de lançar à população daquele município fluminense um manifesto sobre a atual situação política Nacional.
Inicialmente, analisa o documento citado à desagregação do povo, que assistia, ora estarrecido, ora angustiado, ao desdobramento do processo político nacional, repudiando as duas candidaturas existentes, por serem elas fruto das sutilezas políticas e das maquinações partidárias. Afirma que o manifesto, que o povo só poderia voltar as costas aos dois candidatos, exemplos típicos dos velhos tempos em que os interesses do povo desapareciam no dia da eleição para surgir apenas o interesse do candidato eleito.
“Para executar um programa mínimo que unirá os brasileiros, prossegue o manifesto, um nome foi encontrado com os requisitos essenciais à tarefa: Yeddo Fiúza. Tendo dirigido o município de Petrópolis durante alguns anos, sua atuação ali correspondeu a um teste de habilitação para maiores empreendimentos. Embora lançado pelo Partido Comunista do Brasil, não é no entanto, o engenheiro Yeddo Fiúza um comunista, mas um candidato de união nacional, sem distinção de classes sociais, de ideologia política, de credos religiosos e pontos de vista filosóficos”.
Termina o manifesto dizendo que a Comissão Municipal tem a satisfação de apresentar ao eleitor daquele município um programa e um nome civil que correspondem àquilo que todos aspiram na esfera política, pois a personalidade de Yeddo Fiúza, civil, técnico, engenheiro, administrador e homem probo, assim como o programa mínimo elaborado com o fim de congregar todos os brasileiros, resistem a qualquer análise.
E conclui:
“Às urnas com YEDDO FIÚZA!”
Assinam o manifesto as seguintes pessoas:
Dr. José Brigagão Ferreira, professor Gilberto Alves dos Santos, Dulcídio Pimentel, Wilson Dantas, José Faria de Barros Filho, Euclídio Gonçalves Pereira, Carlos Catuama de Calazans, Nilo Melo de Oliveira, Deoclécio Machado Filho, Rubens Belém, Roberto Cabral, Júlio Rabelo Guimarães, Sila Filizola, Djalma Pereira Belém, […]
A matéria cita meus tios maternos Djalma e Ruben e meu tio-avô materno Júlio Rabello Guimarães. Eles não estão mais vivos para informar se tiveram alguma ligação efetiva com o partido ou se apenas apoiaram o candidato do povo, porém os filhos de Ruben confirmaram que seu pai foi filiado ao PCB.
O candidato do povo perdeu a eleição para o general Eurico Dutra, certamente para enorme frustração de seus 570 mil eleitores, entre os quais estavam meus parentes.
José Araújo é linguista e genealogista.
3 comentários
Genealogia Prática - Arthurzico · 4 de outubro de 2018 às 18:05
[…] em 8 de março de 1924, a menina Maria, que alguns anos mais tarde se casaria com meu tio materno Djalma Pereira Belém. A fotografia abaixo é um recorte do registo do casamento de meus tios Djalma e Maria Rolim, no […]
Genealogia Prática - Esportistas · 21 de fevereiro de 2019 às 20:25
[…] podemos hoje descobrir que eles também escreveram poesia, foram (ou não foram) religiosos e até tiveram posições políticas marcadas que lhes causaram mudanças de vida significativas. E ainda podemos descobrir que tiveram interesse […]
Arthurzico – Genealogia Prática · 12 de janeiro de 2024 às 13:41
[…] em 8 de março de 1924, a menina Maria, que alguns anos mais tarde se casaria com meu tio materno Djalma Pereira Belém. A fotografia abaixo é um recorte do registo do casamento de meus tios Djalma e Maria Rolim, no […]
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