A base da pesquisa genealógica é a pesquisa documental em registos paroquiais, testamentos e matérias de jornais, entre outras fontes, muitas das quais estão disponíveis para pesquisa em bancos de dados que oferecem acesso a imagens digitalizadas dos originais. Como já demonstrei em várias postagens aqui no blogue, a pesquisa nesses bancos de dados pode oferecer mais que apenas datas e informações de parentesco. Algumas evidências documentais encontradas revelam-se verdadeiros instantâneos dos personagens de um ramo familiar.

Esse foi o caso do conteúdo transcrito a seguir, que foi encontrado na edição nº 19 do Diário do Governo de 26 de janeiro de 1869 por meio da ferramenta DigiGOV, que apresentei em outra postagem.

NO JUIZO ORDINÁRIO DO JULGADO DE TABUAÇO, e pelo cartório do escrivão proposto João Baptista Ribeiro, correm seus termos uns autos de ação cível justificativa em que é requerente Caetano Pinto Rebello, tenente coronel reformado, com outorga de sua mulher D. Maria Augusta Pinto Rebello, assistente em Villa Nova de Gaia, na qual ação o autor alega que José Pinto Rebello do Souto e mulher D. Barbara Ribeiro, de Barcos, do mesmo julgado, são falecidos, ficando ao seu falecimento seus filhos legítimos e únicos herdeiros o justificante, D. Helena Júlia Pinto Rebello, Bernardo Vaz Pinto, Antonio Pinto Rebello, Thereza Pinto Rebello, Maria Angélica e José Pinto Rebello, todos de Barcos, e irmãos germanos; que deste são falecidos Thereza, Maria e Antonio, sem deixarem descendentes legítimos, e José Pinto está ausente em parte incerta há muitos anos; assim como seu irmão germano Bernardo Vaz Pinto, no estado de solteiro se ausentou de Barcos, seu domicílio, há mais de trinta anos, sem que deixasse procurador, e dele não há notícias há mais de vinte anos, não constando que deixasse testamento, não tendo ele vivos ascendentes, nem se lhe conhecem descendentes, e nem pelo falecimento e ausência de seus ditos irmãos há parentes colaterais mais que o justificante e sua irmã D. Helena, os quais são por isso seus herdeiros legítimos; que os bens do ausente Bernardo Vaz Pinto são sitos em Barcos, os quais se acham em poder de Cândida Pinto e marido Joaquim de Sousa, de Barcos; que assim deve julgar-se por sentença a justificação, e por ela o justificante pessoa habilitada para se lhe deferir a curadoria definitiva dos bens do mesmo ausente Bernardo Vaz Pinto, e fazer-se-lhe deles entrega, nos termos do artigo 64º e seguintes do código civil, e artigo 313º da novíssima reforma judicial; concluindo por pedir a citação pessoal do ministério público e dos ditos administradores dos mesmos bens e o ausente por éditos de seis meses devidamente publicados e afixados, para na primeira audiência do referido juízo, passados os ditos seis meses, verem oferecer a dita ação e seguir os mais termos, sendo a final a sentença publicada pelo modo que recomenda o artigo 65º do citado código, dando à causa o valor de 600$000 réis, e nela renunciou ao júri. Tabuaço, 15 de janeiro de 1869. = O juiz ordinário, Araújo Perdigão = O escrivão proposto, João Baptista Ribeiro.

O texto publicado resume o conteúdo da ação cível iniciada por meu primo Caetano Pinto Rebello, também conhecido como Caetano Pinto do Souto (ca. 1792-1896), cujo nome é citado na relação dos “bravos oficiais do Exército Libertador, que desde os Açores, e em Portugal depois do desembarque nas praias de Mindelo, pugnaram pela Liberdade da Pátria, e a restauração do trono legítimo, até o memorável dia 25 de julho de 1833 […]”, em conhecido episódio da Guerra Civil Portuguesa (1828-1834).

Batalha da Praia da Vitória (11 de agosto de 1829). Gravura de autor desconhecido, s.d.

Essa curta publicação trouxe inúmeras vantagens para minha pesquisa:

  1. Apresentou a relação nominal – com os nomes civis completos – dos filhos e herdeiros do casal José Pinto Rebello do Souto e Barbara Ribeiro, bem como de seus eventuais descendentes;
  2. Informou do paradeiro dos tais herdeiros, ou seja, onde se estabeleceram após deixarem a aldeia natal;
  3. Informou ainda do desconhecimento do paradeiro de dois membros da família que teriam direito ao legado de seus pais;
  4. Revelou a situação financeira e ocupacional dos citados e, finalmente;
  5. Revelou quem ainda estava vivo na data da publicação.

Graças a esse registo, pude obter o seguinte instantâneo desse ramo familiar para o início do ano de 1869:

  • Caetano, que deveria ter 77 anos, estava reformado e sua esposa, que deveria ter 49 anos, ainda era viva;
  • Os únicos herdeiros ainda vivos e com paradeiro conhecido eram o próprio Caetano e sua irmã Helena – que faleceu em 9 de abril 1872;
  • Os irmãos falecidos não deixaram descendência, o que me poupa o esforço de buscar seus assentos matrimoniais e os de batismos de eventuais filhos;
  • Os herdeiros vivos desconheciam o paradeiro de José (1787-1870), provavelmente falecido no Brasil, e Bernardo (1799 – ?), de quem tudo o que sei até agora, além de sua data de nascimento, é o que está registado no texto transcrito;
  • Caetano e sua mulher podem ter falecido em Vila Nova de Gaia, onde deviam residir, o que sugere uma localização possível para seus registos de óbito.

José Araújo é linguista e genealogista.


José Araújo

Genealogista