O pesquisador iniciante costuma atribuir enorme valor aos documentos eclesiásticos – assentos de batismo, casamento e óbito – para o desenvolvimento de sua árvore familiar. Mas a busca genealógica quase sempre alcança um patamar de onde se evolui muito pouco ou quase nada com esses registros, quer pela descoberta de assentos muito sucintos ou mesmo pela simples inexistência dos livros paroquiais. É nesse ponto em que se deve começar a recorrer a outros tipos de documento, como os jornais, as revistas e genealogias publicadas – quando estão disponíveis para o local e período de interesse – e os registros de terras.

As cartas de sesmaria estão entre os documentos de registro de terras dos mais importantes para o estudo de famílias que possuem ramos muito antigos. Isso ocorre porque essas cartas tinham grande valor na administração colonial e já eram produzidas no início da ocupação do território, quando as famílias pioneiras se estabeleceram em uma região específica. Graças a trecho extraído de um livro de tombos de cartas de sesmaria obtive uma pista que permitiu encontrar novos membros da família de Maria da Cunha, mulher que vivia na cidade do Rio de Janeiro cerca de 25 anos após sua fundação.

Essa antiga moradora da cidade era mulher de Domingos Nunes Sardinha e nora do cristão-novo Duarte Nunes. Antes das descobertas que apresentei em texto anterior, nada se sabia sobre a filiação de Maria ou sobre a existência de irmãos seus. Sua filiação foi esclarecida no texto citado, bem como a existência de ao menos uma irmã chamada Francisca. Mas a leitura do seguinte trecho do livro de Tombos das Cartas de Sesmarias do Rio de Janeiro (p. xvi) revelou nomes que me ajudaram a ampliar o círculo familiar dessa antiga carioca:

Maria de Oliveira, viúva de João de Bastos, e sogra do Sargento-mor João Barbosa, pede as águas que ficam nas terras dadas por Salvador Correia de Sá, isto é, o Outeiro de Jorissinonga (p. 204). Aqui encontramos a explicação do fato de João de Bastos não ter sido reconduzido ao cargo de Provedor da Fazenda para o qual fôra nomeado, por três anos, por alvará de mercê de D. Felipe II, com a data de 16 de março de 1593: provavelmente por motivo de doença ou morte e não por incapacidade, como opina Serrão […].

Pelo já citado texto anterior, sabe-se que Maria de Oliveira e João de Bastos devem ter sido os pais de Maria da Cunha e sua irmã Francisca. O trecho transcrito acima informa que Maria de Oliveira teria mais uma filha da qual só declara que seria casada com João Barbosa, o sargento-mor. Felizmente, o mestre Carlos Rheingantz (Tomo I, p. 193) nos apresenta este último personagem:

JOÃO BARBOSA, n. por volta de 1586 e fal., casado por volta de 1606 com Antônia de Oliveira. Pais de: I-1 . Antônio, n. no Rio (Se 1º,7) bat. a 29.12.1616.

Embora não tivesse o mesmo sobrenome de Maria e Francisca, a esposa do sargento-mor tinha o mesmo sobrenome da mulher do João de Bastos mencionado no extrato da carta de sesmaria, o que sugere que estaria revelada a identidade de uma terceira filha dele com Maria de Oliveira. Rheingantz nos informa ainda que o sargento-mor João Barbosa e sua mulher tiveram um filho e apresenta detalhes que nos ajudam a encontrar o registro de batismo da criança, cuja imagem e transcrição apresento a seguir.

Batismo de Antônio

Em 29 do dito batizei a Antônio, filho de João Barbosa Calheiros e de sua mulher Antônia de Oliveira. Foi padrinho o Rdo. Pe. Coadjutor Martim Fernandes e madrinha Milícia de Oliveira, mulher de Mateus de Freitas. E teve óleos.

Percebi que a madrinha tinha o mesmo sobrenome da mãe da criança batizada, o que sugeria um parentesco. Como o pároco informou da relação familiar dessa mulher, recorri mais uma vez a Rheingantz (Tomo II, p. 199), que informa o que se lê a seguir.

MATEUS DE FREITAS, n. por volta de 1585, capitão em 1626, fal. casado por volta de 1615 com Milícia de Oliveira, n. por volta de 1595, fal., filha do licenciado João Lopes Pinto e de Ana da Cunha.

Milícia, a madrinha, tinha o mesmo sobrenome – Oliveira – da mãe de Maria e Francisca da Cunha e era filha de uma mulher que tinha o mesmo sobrenome destas últimas. A recorrência dos sobrenomes Cunha e Oliveira e a evidência de um apadrinhamento permitem deduzir que se tenha encontrado outra uma filha para João de Bastos. Então teríamos: João de Bastos cc. Maria de Oliveira, pais de Maria da Cunha, Francisca da Cunha, Antônia de Oliveira e Ana da Cunha.

Rheingantz (Tomo II, p. 442) fornece mais uma pista que parece ratificar toda a análise feita até aqui e também o que se apresenta no texto divulgado anteriormente:

JOÃO LOPES PINTO, licenciado. n. por volta de 1556 e fal. morador no Rio de Janeiro casado por volta de 1586 com Ana de Oliveira n. por volta de 1566 e fal. Ele é citado como pai de Vicência Tavares e com o nome de João Lopes de Ledesma (o que não foi possível comprovar) e ela aparece como Ana da Cunha. Este apelido nos faz deixar aqui consignada a possibilidade de que fosse filha de João de Basto e de Maria de Oliveira

O sobrenome de Vicência, filha de João Lopes Pinto e Ana da Cunha, é também encontrado em uma das filhas de Maria da Cunha chamada Antônia Tavares de Oliveira. A recorrência de mais esse sobrenome nos leva a concluir que havia um vínculo familiar entre as mulheres citadas pela existência de um(a) antepassado(a) de sobrenome Tavares que ainda não foi descoberto(a). De qualquer forma, parece que Rheingantz tinha razão ao deixar consignada a ascendência de Ana da Cunha em João de Bastos e Maria de Oliveira.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista

3 comentários

Pregos – Genealogia Prática · 8 de abril de 2023 às 08:17

[…] onde se casou com Antônia Tavares de Oliveira, filha do cristão-novo Domingos Nunes Sardinha e Maria da Cunha, de quem teve […] 5 João Velho Barreto, que viveu no Rio de Janeiro, onde se casou com Maria […]

Fama – Genealogia Prática · 14 de abril de 2023 às 08:28

[…] moradores europeus da cidade fundada em 1565. Ana teria nascido ali, mas teve três irmãs – Maria e Francisca da Cunha e Antônia de Oliveira – que podem ter nascido em […]

Cunhas – Genealogia Prática · 28 de abril de 2023 às 07:17

[…] de Helena de Oliveira, bisneto materno de Bento de Oliveira e Ana de Sampaio e por Bento trineto de Ana da Cunha e do licenciado João Lopes Pinto. Essa breve descrição genealógica ajudará a entender o que se […]

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