As obras de José Gonçalves Salvador sobre os cristãos-novos no Brasil parecem muito atraentes para o pesquisador iniciante por fornecerem grande relação de pessoas que tinham essa origem. No entanto, elas demandam uma leitura mais cuidadosa, pois nem sempre as informações fornecidas pelo mestre condizem com os factos. Assim, por exemplo, é o caso do cristão-novo Duarte Nunes, que saiu da Bahia com sua família na virada do século XVI para o XVII e se estabeleceu na cidade do Rio de Janeiro, onde aparentemente se viu livre das perseguições da Igreja.

Na obra Os cristãos-novos: povoamento e conquista do solo brasileiro (1530-1680), Salvador afirma, em nota na página 203, que Duarte tivera quatro filhos: Maria Quaresma, casada com Pedro Neto de Melo; Pedro Domingues e Domingos Nunes, também casados; e Constantino Rabello. Para atestar essa descendência, Salvador fornece algumas fontes, a saber: As Denunciações da Bahia de 1591, disponível no Arquivo da Torre do Tombo; a obra do mestre Carlos Rheingantz e artigo publicado na Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro em seu tomo LXIII.

Na primeira fonte citada, as Denunciações da Bahia, informa-se por depoimentos apenas que Duarte Nunes era cristão-novo e vivia em Porto Seguro com seu filho Domingos e seu genro Pero Neto. Ainda segundo o documento, os três teriam se envolvido em confusões com o pároco nos idos de 1580. Quando o inquisidor Heitor Furtado de Mendonça tomou os depoimentos na primeira visitação do Santo Ofício uma década depois, os três personagens já se encontravam no Rio de Janeiro. Nada se informa a respeito de Maria Quaresma, Pedro Domingues ou Constantino Rabello nos dois depoimentos prestados a respeito de Duarte e família.

A segunda fonte citada, a obra de Carlos Rheingantz, em seu volume primeiro, página 531, apresenta-se apenas a descendência de Pedro Domingues e de sua mulher Beatriz de Oliveira, informando que Pedro seria irmão de Constantino Rabello e Maria Quaresma, esta casada com um Pedro Neto. Rheingantz apresenta informações sobre os quatro filhos de Pedro Domingues, dois dos quais – Maria Quaresma e Constantino – supostamente receberam os nomes de seus tios paternos. O registro matrimonial de Maria Quaresma e os registros batismais de Inês, Bartolomeu e Constantino não apresentam nomes de testemunhas ou padrinhos que pareçam ter alguma relação com a família conhecida de Duarte Nunes.

A terceira fonte citada, o artigo da Revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, apresenta a Relação das sesmarias da Capitania do Rio de Janeiro extraída dos livros de sesmaria e registros do cartório do tabelião Antônio Teixeira de Carvalho, de 1565 a 1796, feita por monsenhor José Pizarro de Souza Azevedo e Araújo. Nesse artigo encontramos – páginas 107-109 – extratos de sesmarias concedidas a Duarte Nunes – livro 16: 1592 a 1594 – e a Pedro Neto – livro 17: 1594 a 1598, e livro 18: 1598 a 1599. Novamente, não se faz nenhuma menção a Maria Quaresma, Pedro Domingues ou Constantino Rabello ou a uma eventual relação familiar destes com Duarte Nunes.

As razões para que o mestre Salvador tenha atribuído a filiação destes três personagens no cristão-novo Duarte Nunes seguem desconhecidas. O que se sabe é que Duarte teve apenas três filhos: Domingos Nunes Sardinha, que se casou com Maria da Cunha no Rio de Janeiro e teve descendência; Antônia Rodrigues Sardinha, que foi primeiro casada com o cristão-novo Rui Dias Bravo, de família retornada ao judaísmo em Amsterdam e Hamburgo, e depois com o cidadão Manoel dos Rios, em ambos os casos com filiação e; uma filha não nomeada cuja existência é conhecida porque o documento das denunciações informa que Duarte vivia em Porto Seguro com o filho Domingos e o genro Pero Neto. Dessa filha nada mais se sabe, embora pareça ter vindo para o Rio de Janeiro, onde seu marido recebeu terras em Macacu.


José Araújo é genealogista.