Neste texto, tento organizar, de forma didática, as táticas que empreguei para derrubar uma parede de tijolos (brickwall) genealógica em um de meus ramos maternos que permaneceu incompleto durante bastante tempo. Os textos originais em que apresento os resultados do uso dessas estratégias podem ser lidos aqui e aqui. Espero que as táticas apresentadas possam ser úteis para os leitores que tenham paredes supostamente intransponíveis em suas árvores.

(1) Nomeação, apadrinhamentos e declarações

A certidão de casamento e o assento matrimonial de meus bisavós Artur Rabelo Guimarães (1868-1917) e Argemira Pereira da Silva (?-1935) informavam apenas que a noiva era filha de Maria Pereira do Céu, sem informar o nome do pai dela. Não foram encontrados nos livros de Santo Antônio de Jacutinga os assentos de batismo ou de óbito de Maria Pereira do Céu, pelo que os nomes de seus pais permaneceram ignorados por bastante tempo.

Artur e Argemira tiveram doze filhos, entre eles:

  • Antenor (1894), cujo nascimento foi declarado por um homem chamado Júlio José Soares;
  • Durvalina (1895), minha avó materna, que teve como padrinhos de batismo o mesmo Júlio José e Carlota Pereira da Silva, que descobri ser companheira dele;
  • Júlio (1901), que pode ter sido batizado com esse nome em homenagem ao companheiro de Carlota; e
  • Nilo (1914), último filho do casal, que teve como madrinha Saturnina Pereira Soares, que foi uma das filhas de Júlio José e Carlota.

Além de Saturnina, Júlio José e Carlota tiveram mais dez filhos sem jamais se casarem no civil ou no religioso, entre eles Antônio, batizado no mesmo dia que minha avó Durvalina. O apadrinhamento e a semelhança dos sobrenomes das mães das crianças – Pereira da Silva – foram indícios de um possível parentesco. A certidão civil de nascimento do menino Antônio, por sorte, informava que seus avós maternos eram José Pereira da Silva Lisboa e Fermiana Maria de Jesus. Esses poderiam ser os pais de Maria Pereira do Céu. O óbito de Fermiana Maria foi declarado, em 15 de fevereiro de 1897, por Artur Rabelo Guimarães, que, se tudo o que se afirmou até este ponto estiver correto, era casado com a neta da falecida. Por fim, o óbito de Artur foi declarado por ninguém menos que Júlio José Soares.

Não bastasse tudo isso, a pesquisa revelou que um José Pereira da Silva teve com Fermiana Maria da Conceição um filho chamado Francisco da Silva Maia (1866-1906), que se casou com Graciliana Maria da Conceição e teve sete filhos. O terceiro filho deles, registrado como Antônio em 3 de outubro de 1896, teve seu nascimento declarado pelo já várias vezes mencionado Artur Rabelo Guimarães, meu bisavô. Francisco, pai de Antônio, seria irmão de Maria Pereira do Céu, logo tio da mulher de Artur. O padrão encontrado me leva a acreditar que Maria Pereira do Céu, a sogra de Artur, era filha de José Pereira da Silva e Fermiana Maria de Jesus ou Fermiana Maria da Conceição (variação bastante comum na época, como se explica neste vídeo). Toda a análise feita é apresentada sob a forma gráfica abaixo.

Nomeação, Apadrinhamentos e Declarações

(2) Nomeação repetida entre avós e netos

Sobre José Pereira da Silva, tudo o que consegui descobrir foi que ele era filho de Francisco Pereira e Damiana Teresa; que foi casado com Maria Luiza da Conceição, com quem teve três filhos; que nunca se casou com Fermiana Maria da Conceição, com quem teve Felizarda, Damiana, Tomás, João, Preciosa, Maria Pereira do Céu e Francisco da Silva Maia; e que faleceu entre fevereiro de 1893 e fevereiro de 1894, pois seu nome é mencionado no registro de nascimento da filha natimorta de Francisco da Silva Maia em 16 de fevereiro de 1893, mas não é mencionado no registro de nascimento da filha seguinte em 26 de fevereiro de 1894 nem nos dos filhos posteriores.

A questão passou a ser a descoberta de documentos sobre a mulher com quem José teve sete filhos fora do casamento: Fermiana. Como seu óbito informa que ela faleceu com setenta anos em fevereiro de 1897, seu nascimento teria ocorrido no início da década de 1820. Foram encontrados alguns registros de batismo de crianças com esse nome, e um deles foi o de uma menina nascida em 26 de julho de 1822 e batizada na freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. Seu assento informa que ela era filha de José Joaquim Galvão e Preciosa Maria de Barcelos. Se você fez as contas, percebeu que Fermiana faleceu com 75 anos, pouco mais do que os setenta declarados no óbito, mas essa discrepância pode ter ocorrido porque o registro de nascimento foi feito pela igreja – antes de 1889 – e o de óbito, pelo cartório, e nem sempre quem declarava o óbito sabia a idade exata do falecido ou tinha acesso ao seu assento de batismo.

Após alguma busca, encontrei o registro de batismo de uma Preciosa, nascida em maio de 1847, no qual se informa que ela seria filha de Fermiana Maria de Jesus – nome idêntico ao da avó de Antônio, filho de Carlota Pereira da Silva e Júlio José Soares, lembra? Os padrinhos dessa Preciosa foram José Joaquim Galvão e Preciosa Maria de Barcelos, pais da Fermiana Maria de Jesus cujo batismo ocorreu em 1822. Esta menina, portanto, foi batizada com o mesmo nome de sua avó materna. O assento matrimonial de José Joaquim e Preciosa foi encontrado e nele se informa que a nubente era filha de Manoel Veloso de Carvalho e Fermiana Maria Xavier. A mãe da menina Preciosa batizada em 1847, portanto, também tinha o mesmo nome de sua avó – Fermiana. Francisco da Silva Maia, por fim, parece ter recebido o sobrenome de seu avô paterno.

A sequência de nomes intercalados é apresentada no gráfico abaixo em destaque nas cores azul, vermelho, violeta e cinza.

Nomeação Repetida

(3) Evidência de testes genéticos

Talvez você avalie que tudo o que apresentei antes se deva a mero acaso ou coincidência. Nesse caso, peço sua atenção para o interessante acúmulo de coincidências entre pessoas, nomes e ações. Para finalizar, acrescento mais um detalhe: o resultado de meu teste genético mitocondrial feito há bem mais de uma década e que me surpreendeu ao revelar uma ancestralidade materna africana – haplogrupo mitocondrial L1c2a3b. Até o resultado desse teste, tudo o que eu sabia sobre a ancestralidade de minha avó materna Durvalina era o relato de que ela, uma mulher branca, tinha origem familiar portuguesa. De fato, como demonstrarei em um próximo texto, Artur Rabelo Guimarães, pai dela, era filho ilegítimo de um homem que nasceu em Portugal e emigrou para o Brasil. A ancestralidade africana de Durvalina viria por seu ramo materno, portanto via sua mãe Argemira, sua avó Maria Pereira do Céu, sua bisavó Fermiana Maria de Jesus/da Conceição, sua trisavó Preciosa Maria de Barcelos e sua tetravó Fermiana Maria Xavier, que agora sei ter sido uma mulher parda e filha de Ana Maria Xavier, identificada como “parda forra” em processo matrimonial (banho) para casamento de Fermiana com Manoel Veloso de Carvalho, encontrado no Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Até que esse processo fosse encontrado, tudo o que eu tinha era uma evidência genética à espera de uma comprovação documental. Ei-la!


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista