Aos quinze dias do mês de fevereiro de mil e setecentos e quarenta e nove anos, batizei solenemente e pus os santos óleos a Manoel, filho legítimo de Estevão Gonçalves e Mariana de Sousa, pretos forros, assistentes na fazenda do Viegas. Foram padrinhos Francisco Xavier Gama e sua mulher Rita Maria, todos desta freguesia de Nossa Senhora do Desterro. De que fiz este assento que assino. _ o vigário Antônio José […]

O assento de batismo do menino Manoel traz uma riqueza de informações que têm enorme relevância para uma pessoa afrodescendente que tenha parentesco distante com ele. Por esse documento descobrimos não só o estado civil dos pais do batizando, como também onde viviam, suas origens raciais e condição social.

Batismo de Manoel

Para começar, registra-se que Manoel era filho legítimo de Estevão e Mariana, portanto sabemos que seus pais foram casados na igreja, que era a forma oficialmente reconhecida para formação de um casal na sociedade brasileira do século XVIII, mesmo para pessoas trazidas da África e escravizadas. Em seguida, registra-se que o casal vivia na fazenda do Viegas, que era o nome pelo qual se conhecia o Engenho da Lapa, propriedade rural que teve entre seus vários proprietários um homem chamado Manoel de Souza Viegas. A propriedade ainda existe, embora suas condições de conservação sejam bastante ruins. Finalmente, o documento informa que Estevão e Mariana eram “pretos forros”, o que significa que eram africanos de nascimento, que foram traficados para o Rio de Janeiro, escravizados e depois receberam carta de alforria de seu proprietário.

Manoel foi um dos nove filhos do casal Estevão e Mariana, e a leitura dos assentos de batismo de seus irmãos trouxe mais detalhes sobre a vida de seus pais. É o caso do assento de José, que se lê em transcrição abaixo.

Aos treze dias de julho de mil e setecentos e cinquenta e dois, nesta matriz do Campo Grande, batizei e pus os santos óleos a José, filho legítimo de Estevão Gonçalves e de sua mulher Mariana de Souza, escravos que foram de Roque Gonçalves e hoje são forros, assistentes na fazenda do Viegas. Foram padrinhos Jorge Manoel dos Santos e Maria da Fonseca, todos desta freguesia. De que fiz este assento. _ o vigário Manoel da Silva Coelho.

Batismo de José

Por esse assento não apenas confirmamos que Estevão e Mariana haviam sido escravizados como também descobrimos o nome de seu proprietário: Roque Gonçalves. É razoável supor que Estevão, após chegar ao Brasil, provavelmente ainda na adolescência, foi batizado e recebeu nesse ato o sobrenome de seu proprietário.

Um terceiro assento de batismo talvez nos permita conhecer o lugar na África a partir de onde Estevão e Mariana foram trazidos pelo tráfico transatlântico. É o assento de Joaquim, que está transcrito a seguir.

Aos sete de julho de mil e setecentos e cinquenta e quatro anos, nesta matriz do Campo Grande, batizei e pus os santos óleos a Joaquim, filho legítimo de Estevão Gonçalves e de sua mulher Mariana de Souza, assistentes na fazenda do Viegas, ambos forros e naturais do gentio da Guiné. Foram padrinho Jorge Manoel dos Santos e Nossa Senhora do Desterro. De que fiz este assento que assino. _ O vigário Manoel da Silva Coelho

Batismo de Joaquim

Agora sabemos que os africanos Estevão e Mariana, que foram meus nonos avós, eram africanos nativos. A atribuição gentio da Guiné, pelo período envolvido (início do século XVIII), provavelmente é inexata ou genérica e pode não dizer respeito a nenhum grupo étnico específico, mas talvez se relacione a algum lugar da costa ocidental africana.

Esse texto demonstra a importância de se buscar o máximo disponível de registros sobre um antepassado – inclusive seus tios, irmãos e filhos – , pois cada documento encontrado pode trazer um detalhe insuspeito que ajude na reconstrução da história de vida dessa pessoa.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista