Quando a genealogia avança pelos séculos, é possível que não sejam mais encontrados assentos paroquiais que permitam saber quando os antepassados nasceram, casaram ou morreram. Talvez nem mesmo testamentos e inventários sejam encontrados que ajudem numa estimativa aproximada, mas, em alguns casos, a sorte pode acenar sob a forma de documentos de outra natureza: processos inquisitoriais. É certo que nesses processos nem sempre os dados vitais relacionados aos antepassados processados sejam exatos, mas podemos fazer estimativas, o que é melhor do que nada. É o caso que passo a descrever.

Em nove de dezembro de 1597, o professor cristão-novo Bento Teixeira, preso pelo tribunal do Santo Ofício de Lisboa, prestou depoimento e que relatou fatos ocorridos seis anos antes e que diziam respeito a sua convivência com membros da família Peralta, descendentes de mestre Afonso Mendes, cirurgião e também cristão-novo, que chegara ao Brasil em 1557 na frota que trouxe para Salvador o governador-geral Mem de Sá. Em seu depoimento, Bento levantou suspeitas de que os Peralta eram judaizantes, o que punha essa família em grande risco de perseguição, algo que o patriarca Afonso Mendes parece ter querido evitar emigrando para o Brasil quarenta anos antes.

Além de mencionar o próprio mestre Afonso e sua mulher Maria Lopes, já falecidos, Bento citou explicitamente Maria de Peralta e seu irmão mais novo Sebastião de Peralta, netos do casal citado. Bento relata que, quando conheceu Maria, ela vivia em Pernambuco e era já casada com o comerciante inglês Thomas Babintão, com quem já teria ao menos um dos três filhos do casal que de que se tem conhecimento. Já no trecho em que fala de Sebastião de Peralta, Bento o descreve como “solteiro, torto de um olho, idade de vinte e quatro anos, pouco mais ou menos, irmão da dita Maria de Peralta, em cuja casa mora, que não tem ofício”. Se Bento estima a idade de Sebastião em 24 anos no momento em que ocorreram os factos narrados, portanto seis anos antes do depoimento de 1597, o rapaz teria nascido em 1567.

Vista de Salvador (autor desconhecido, séc. XVI)

Essa estimativa parece fazer sentido quando examinamos o processo de Maria de Peralta, no qual lemos o depoimento de Maria Nunes, mulher que compareceu para depor espontaneamente à residência do visitador Heitor Furtado de Mendonça em Salvador, em onze de fevereiro de 1592. A depoente informou que teve contato com Maria de Peralta “haverá quatro anos, pouco mais ou menos”, quando esta fugiu de Salvador diante da ameaça de invasão dos “ingleses inimigos” – provavelmente a ocorrida em 1587 – e “foi ter à fazenda de Gaspar Nunes Barreto, cristão-novo, em Itaparica”. E informou mais que Maria de Peralta “poderá ter idade de mais de vinte e cinco anos [e] que já então tinha uma filha de idade de alguns quatro anos e um filho de idade de alguns dois anos“. Isso nos permite estimar o nascimento de Maria de Peralta em 1562.

Se em 1587, Maria de Peralta já tinha uma filha de quatro anos, ela deve ter se casado com Thomas Babintão em 1583, possivelmente pouco antes. Não tenhos conhecimento do nome dessa filha primogênita, mas do filho que tinha dois anos na época citada temos mais informações. Ele se chamava Belchior, deve ter nascido em 1585, e foi aluno de Bento Teixeira, que certa vez açoitou o menino por alguma divergência religiosa associada ao facto de o pai do menino – o inglês Thomas Babintão – ser protestante. Belchior se formou em medicina por Coimbra e se mudou para o Rio de Janeiro na idade adulta, quando era já conhecido como Belchior de Babintão e era casado com Luiza.

Em virtude das imprecisões encontradas nos depoimentos, as datas apresentadas na análise são apenas estimativas, mas são certamente balizadores para futuras análises que se tornem possíveis pela descoberta de novas fontes documentais.


José Araújo é genealogista.