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A estreia da série A Grande Descoberta (The Breakthrough) na plataforma Netflix traz um atrativo especial para os fãs deste blogue: um dos personagens é um genealogista. A trama se desenrola a partir de um crime de duplo assassinato – de uma criança e uma idosa – que comoveu a até então pacata cidade sueca de Linköping. Encarregado de encontrar o assassino, o policial John (Peter Eggers) reúne por décadas um volume considerável de evidências, mas não chega nem perto de uma solução. Até que ele descobre que outro crime que causou comoção foi esclarecido por meio da chamada Genealogia Genética e entra em contato com o especialista Per (Mattias Nordkvist), que o ajuda a chegar ao criminoso.

Não entrei em detalhes sobre o percurso que levou Per à solução do crime para não estragar a experiência de quem se interessou pelo enredo, mas posso tecer alguns comentários sobre a parte relevante para a finalidade deste blogue: o perfil do genealogista e as estratégias por ele empregadas para dar solução aos casos, dos quais o crime de Linköping foi apenas mais um – se bem que talvez o mais importante de sua carreira.
O personagem do genealogista surge pela primeira vez em uma cena em que ele revela a uma cliente a identidade de seu pai biológico. A forma como ele revela a identidade do homem – que tudo indica ter sido uma pessoa desprezível – choca a cliente, mas ele desvia o tema da conversa para algo que ele julgou relevante na ancestralidade dela. Reconheço que os genealogistas tendem a ser apaixonar pelo que fazem e até a demonstrar alguma obsessão pela pesquisa, mas a forma como a série apresenta esse profissional – ainda que seja baseada em um caso real – pode induzir o espectador a formar uma imagem negativa sobre a área.
Por outro lado, o policial John é também apresentado como um homem obcecado. O enorme volume de evidências que ele reúne para tentar solucionar o crime e o afastamento que sua dedicação ao caso promove em relação a sua família bem evidenciam isso. Ele também se mostra intransigente em relação ao método do genealogista, o que causa conflitos entre eles. Mas eles chegam a um acordo e a série tem sua resolução sem mais atritos e com alguma ação.
A estratégia empregada por Per para resolver os casos que lhe chegaram é descrita por ele da seguinte forma: “na Genealogia tradicional costuma-se trabalhar sempre para trás, mas no meu método costumamos sempre trabalhar de trás para frente. Começamos para trás, rastreando o DNA compatível dos avós e antecessores até cada linhagem se entrelaçar em ancestrais comuns. E aí sabemos que a pessoa que estamos procurando – no caso, o assassino – deve ser um descendente dessa árvore que desenhamos”.
Para desenhar essas árvores, ele recorria a registros paroquiais e civis que precisava decifrar com seus conhecimentos paleográficos; para rastrear o DNA, recorria a bases como o GEDmatch e o FamilyTreeDNA. Dessa forma, a estratégia – que ele chama de método – em nada difere do que fazem hoje os genealogistas que exploram os testes de DNA para encontrar parentes e furar obstáculos (brickwalls) em suas árvores genealógicas e nas de seus clientes.
A série demonstra de forma muito realista como a pesquisa genealógica costuma alcançar grandes volumes de dados que precisam ser analisados e como se torna complexa a interpretação desses dados. E demonstra também como iniciativas como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), criada para proteger o cidadão, pode se tornar um obstáculo absurdo para o desenvolvimento de pesquisas como a que se faz na Genealogia.
Recomendo a série pelo que traz de relato real e pelas reflexões que ela proporciona.
José Araújo é genealogista.