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O Brasil perdeu na semana passada a escritora, professora e imortal da Academia Brasileira de Letras Heloisa Teixeira. Nascida em 26 de julho de 1939 em Ribeirão Preto, no estado de São Paulo, Heloisa por muitos anos assinou o sobrenome de seu primeiro marido, o advogado e galerista Luiz Buarque de Hollanda. Ela certamente sabia da importância que esse sobrenome carregava no Brasil e, em julho de 2023, em atitude coerente com suas décadas de pesquisas e agência no campo feminista, anunciou que passaria a assinar como Heloisa Teixeira, sobrenome de seu ramo materno. Esse fato tem relevância para uma reflexão no campo da Genealogia.

Em entrevista a O Globo, Heloisa Teixeira declarou que quando se casou, nos anos 1970, “era uma ofensa não colocar o nome do marido”. E declarou ainda que “depois da separação, a minha geração ainda continuava carregando o nome”. Sua decisão de seguir com o sobrenome materno foi tomada para homenagear a “potência feminina oprimida” pelo patriarcado. Bem, o patriarcado ainda é potente no Brasil, mas na questão dos sobrenomes a realidade era um pouco mais fluida, pois nem sempre a mulher teve de adotar o sobrenome do marido ao casar e tampouco esse sobrenome era necessariamente transmitido aos filhos.

Heloisa Teixeira (1939-2025)

É certo que sobrenomes de famílias tradicionais e poderosas eram, sim, transmitidos, ou melhor, escolhidos pelos descendentes de um grande senhor de terras e de escravizados. Digo escolhidos porque no batismo – primeiro registro pessoal que era feito pela Igreja antes da vigência do registro civil (1888) – , a criança recebia apenas um prenome como José, Maria, Joaquim, Senhorinha. A escolha do sobrenome se dava no crisma, por volta dos 15 anos de idade. Nesse momento, era comum que os rapazes seguissem com os sobrenomes paternos e as moças, com os maternos, mas estas poderiam também usar um nome devocional como Maria da Conceição ou Senhorinha de São José, segundo seu santo de devoção.

Tivesse Heloisa Teixeira nascido antes da vigência do registro civil, não haveria pressão para que adotasse o poderoso sobrenome da família de seu marido após o matrimônio. Ela poderia escolher a linhagem de sua mãe ou avó materna sem nenhum constrangimento. A tradição sobre a qual ela comenta na entrevista é relativamente recente em nossa História, tendo prevalência no século XX, mas já começando a cair em desuso na transição para o século XXI, quando as mulheres puderam manter seus sobrenomes de solteiras no ato civil do casamento.

Em minha família materna existem alguns casos interessantes: meu trisavô Pedro Gomes de Moraes (1820-1891) era filho de Joaquim Francisco do Rego (1766-1837) e parece ter escolhido os sobrenomes da família de sua mãe Maria Teresa da Paz (1791-1855), que escolheu um nome devocional, mas era filha de Francisco Gomes Pereira (1764-1822) e Inácia Angélica de Moraes (1755-?); meu bisavô materno João Pereira Belém (1848-1921) era filho natural de Pedro e deve ter escolhido o sobrenome composto de seu ramo materno, o que apenas suponho, pois sua mãe escolheu o nome devocional de Joaquina da Conceição; minha mãe após o casamento manteve o último sobrenome de seu pai (Belém) e incluiu o do marido (Araújo), mas eu recebi apenas o de meu pai (Araújo). As razões dessas escolhas seguem desconhecidas.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista