Aos quatorze dias do mês de novembro de mil novecentos e vinte, nesta cidade de Nova Iguaçu, primeiro distrito do município de Iguaçu, estado do Rio de Janeiro, em cartório compareceu Enéas Pereira Belém e declarou que, no lugar denominado “Austin” deste distrito, ontem, à uma hora, faleceu de febre palustre, Maria, natural deste município, com sete meses de idade, cor parda, filha natural de João Pereira Belém […]

Quando encontrei esse registro de óbito, tive certeza de que ele dizia respeito a minha família materna, pois o declarante do óbito da menina Maria foi meu avô Enéas (1888-1970). A menção à localidade chamada Austin me assegura que o Enéas nomeado era meu parente, pois sei que minha família viveu e teve propriedade nesse lugar antes de se deslocar para o centro do município de (Nova) Iguaçu. Mas havia uma questão a esclarecer: quem era o pai da menina falecida tão precocemente de malária (febre palustre)?

A pergunta precisava ser feita, pois os sobrenomes idênticos atestavam que havia um parentesco entre o declarante do óbito (Enéas) e o pai da menina morta (João). E esse parentesco poderia se dar de duas formas: ou Enéas era irmão da menina ou ele era seu tio paterno. E isso se explica por ser meu avô filho de um João Pereira Belém (1848-1921) e irmão de outro João Pereira Belém (1881-1948). Essa repetição de nomes não era incomum e hoje pode causar confusão durante a pesquisa genealógica.

Meu bisavô João – pai de Enéas e seu irmão João – nasceu perto de 1848 e era filho natural de Pedro Gomes de Moraes e Joaquina da Conceição. Entre 1879 e 1895, quando ainda era solteiro, ele teve dez filhos com Teodora Maria da Conceição: Pedro (1879), João (1881), Manoel (1883, falecido na infância), Sérvulo (1884), Antônio (1886), Enéas (1888), Acindino (1889), Adriano (1892), Maria (1894) e outro Manoel (1895), quase todos – exceto Acindino – batizados ou registrados como “filhos naturais” apenas de Teodora. Em novembro de 1900, João e Teodora casaram-se no regime civil, reconheceram todos esses filhos e depois ainda tiveram mais dois: Oscar (1901) e Esmeralda (1903).

Se você observou bem as datas, percebeu que meu bisavô João teve seu primeiro filho aos 31 anos de idade e teve a última filha aos 55 anos. A fertilidade dele era mesmo invejável, por isso não seria impossível que ele tivesse ainda uma filha, com uma mulher mais jovem cerca de um ano antes de falecer em 26 de setembro de 1921, como descobri apenas por nota publicada em jornal local, pois o livro que conteria seu registro de óbito parece ter desaparecido.

Correio da Lavoura – 29/09/1921

Não haveria uma impossibilidade para essa geração tardia, mas a lógica me faz crer na improbabilidade de isso ter ocorrido. Mais provável é que a precocemente falecida Maria fosse neta e não filha de meu bisavô, portanto sobrinha de meu avô Enéas, o declarante do óbito. Seu pai seria mesmo João Pereira Belém, meu tio-avô, que tivera, em 26 de setembro de 1908, com uma mulher de ascendência ignorada chamada Idalina Maria de Godoy, na mesma localidade de Austin, uma filha registrada como Adalgiza e identificada como “filha natural” do casal.

A forma como Adalgiza foi identificada deixa saber que João e Idalina não se casaram e que, portanto, ele pode mais tarde realmente ter tido outra filha – Maria – com uma mulher diferente. Essa conclusão parece fazer mais sentido do que a sugestão de que um homem de de 72 anos e ainda casado – minha bisavó Teodora faleceu em 1927 – , ainda que muito fértil, tivesse uma filha em relação extraconjugal.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista