Faleceu ontem, em Campinas, Paulo Valadares Ribeiro dos Santos, historiador, mestre em História Social (USP) e autor de obras de grande relevância para os estudos da genealogia sefardita como A presença oculta. Genealogia, identidade e cultura cristã-nova brasileira nos séculos XIX e XX e Dicionário Sefaradi de Sobrenomes, de que foi coautor.
Além de um pesquisador sério e incansável, Paulo era também um homem gentilíssimo, como pude constatar quando buscava depoimentos de genealogistas renomados para um pequeno livro de relatos que publiquei em 2019 sob o título Genealogistas Brasileiros.
Paulo participou do documentário Estrela Oculta do Sertão (2005), que pode ser visto na íntegra abaixo.
Divulgo aqui as respostas de Paulo ao meu questionário que se tornou o livro de depoimentos, pois sua experiência deve servir de exemplo a quem pretende se iniciar na área e se tornar um profissional como Paulo – que, no entanto, não se via como tal.
Fará muita falta. BDH
Paulo Valadares
Publicou vários livros, um dos quais foi premiado como a melhor obra de referência nos EUA, além de artigos.
Há quanto tempo e como a genealogia entrou em sua vida?
Creio que completo trinta anos de genealogista este ano – pouco mais, pouco menos. Meu interesse inicial era conhecer apenas meus avós, tios (tias) e primos, com quem não tinha nenhum contato – na época sentia-me uma espécie de Kaspar Hauser (aquele alemãozinho que surgiu do nada e deu até filme); porém, no final destes anos, cheguei até o séc. XV. O que pode ser considerado uma façanha, pois somos gente modesta e discreta, espalhada pelo mundo. Não descendemos de reis godos ou visigodos e o máximo que podem nos atribuir é ter feito cenas de multidão para Moisés.
Qual foi o percurso de sua aprendizagem como genealogista?
Sou genealogista no sentido conservador da definição: aquele que, através de documentos produzidos pelo Estado ou pela Igreja (e similares), pelos indivíduos (diários, memórias, etc), de lápides, trabalhos de outros genealogistas, estabelece o encadeamento de gerações até onde sustentar essas fontes. Com o tempo, alarguei essa pesquisa, pois encontrei gente da parentela penitenciada pela Inquisição, que me levou aos descendentes genealógicos de cristãos-novos e passei deles aos judeus sefaradis na Diáspora.
Que conhecimentos considera essenciais para o exercício do ofício?
História das migrações humanas e o senso moral
Quais vantagens e/ou desvantagens atribui às ferramentas hoje disponíveis para a busca documental, como o FamilySearch e a base de dados da Torre do Tombo?
Genealogia é difícil e dispendiosa sempre.
Existem inúmeras páginas no Facebook dedicadas ao assunto, muitas com milhares de participantes. A que atribui tal interesse?
Pode-se ler, mas com muita desconfiança.
Vê com bons olhos a popularização dos testes genéticos com fins genealógicos?
Ele serve para História de Populações e Migrações – não há base suficiente para genealogia familiar.
Poderia contar de algum trabalho especialmente difícil que executou, destacando as lições aprendidas?
Todo trabalho é difícil. Trata com gente e a partir das relações estabelecidas entre eles.
Que colegas – contemporâneos ou não – tem como referência na área?
Muitos: minha referencia é Luis de Bivar Guerra – o pioneiro na genealogia dos cristãos-novos. No Brasil, o Bogaciovas, o Barata, o Doria, o Filgueira, dentre tantos.
Acredita que a genealogia seja um trabalho essencialmente solitário ou crê na colaboração entre pares?
Creio na colaboração, mas há casos em que não há pesquisadores na região. Sergipe, por exemplo.
O que considera um trabalho genealógico malfeito?
Desonestidade. Começar a pesquisa já com o resultado pronto. Falta de documentação. Não esquecer que o genealogista é auditado pelo futuro.
O genealogista é bem remunerado?
Não sei dizer.
Veria valor no tabelamento dos serviços prestados ao cliente?
Não. Faço somente as que me dão prazer.
Acredita que a genealogia possa se tornar uma profissão reconhecida? Caso acredite nisso, o que falta para se chegar a tal ponto? Caso não acredite, apresente suas razões.
Ela é profissão para muitos, mas não é minha praia.
Vê necessidade de um código de ética para o exercício do ofício? Caso veja, que princípios deveria seguir um profissional da área para ser respeitado? Caso não veja, explique seu ponto de vista.
Sim. Não mentir (fazer genealogias falsas), não humilhar ninguém pela origem social ou econômica. O historiador trabalha do escritório, nós trabalhamos a partir do quarto do casal.