Desde que Portugal e Espanha iniciaram um processo de reparação histórica pelo qual seria possível obter suas cidadanias mediante comprovação de ascendência em um cristão-novo, percebeu-se um enorme movimento de busca dessa ascendência por parte de brasileiros e nacionais de outros países. Mas a recente alteração no regulamento da lei de cidadania portuguesa representou um banho de água fria para os possíveis candidatos ao passaporte europeu. Não bastasse isso, logo após a tal alteração, iniciou-se um movimento que parece voltado à destituição da condição cristã-nova de alguns personagens históricos que antes eram plenamente reconhecidos como tal.
Um caso bastante emblemático é o Isabel Velho, que segundo a Genealogia Paulistana de Luiz Gonzaga da Silva Leme (1852-1919) foi mulher de Garcia Rodrigues. Ainda segundo o mestre, o casal teria vindo de Portugal com seus filhos para se estabelecer em São Vicente, São Paulo. A possibilidade de obtenção da cidadania portuguesa viria pela ascendência em Isabel Velho, que seria uma mulher cristã-nova, segundo provas documentais de conhecimento restrito a pouquíssimos genealogistas. Algum tempo depois da alteração do regulamento da lei de cidadania, iniciou-se o que parece ser um movimento deliberado de cassação da condição cristã-nova de Isabel. Segundo provas documentais por vezes citadas pelos detratores, ela seria irmã e não mulher de Garcia, e ambos seriam brasileiros natos.
A própria Comunidade Israelita de Lisboa (CIL), entidade responsável por atestar a ascendência como pré-requisito para o processo civil da cidadania, tem pedido mais provas que atestem a condição de Isabel. Nesse movimento, a CIL rejeita as provas do grupo restrito de genealogistas, provas que antes eram aceitas por ela mesma sem contestação. Essa mudança de critérios tem ensejado comentários nos grupos de Genealogia em que se percebe grande insegurança a respeito da qualidade das análises feitas pela entidade e da possibilidade de que mais personagens históricos deixem de ser reconhecidos como cristãos-novos. Há quem fale até de uma ‘Nova Inquisição’.
Tentativas mais avançadas de cassação do status de Isabel têm recorrido à Genealogia Genética. Ao menos dois descendentes dela em linha direta matrilinear – pelo ramo de sua filha Isabel Rodrigues – fizeram testes de DNA mitocondrial, e o resultado (haplogrupo B ou B2) sugere que a matriarca fosse uma mulher de ancestralidade brasílica – como se dizia no período em que ela viveu – ou nativa. Para os detratores esse resultado bastaria como comprovação da impossibilidade de Isabel Velho ser uma mulher de sangue judeu. Mas esse raciocínio ignora duas condições que ainda assim a tornariam apta diante da lei portuguesa:
- A existência de um ascendente judeu ou cristão-novo em sua linhagem que talvez seja conhecido por alguns;
- A observância de práticas judaizantes, que a tornariam uma vítima potencial das perseguições do Santo Ofício.
E ainda existe a possibilidade, defendida por alguns, de que Isabel Rodrigues não fosse filha de Isabel Velho e Garcia Rodrigues e sim uma moça nativa criada pelo casal e reconhecida como filha.
Vê-se, portanto, que diante de um cenário de crescente limitação das possibilidades de obtenção da cidadania portuguesa pela ascendência cristã-nova, surge um contexto de muito debate, mas nem sempre um debate produtivo.
José Araújo é genealogista.