Em setembro de 1990, o museólogo Dalmiro da Motta Buys de Barros publicou uma obra – Banhos: resumos dos processos de casamentos do bispado do Rio de Janeiro (do século XVII ao XX) – na qual resumiu os processos de casamento que estavam disponíveis no arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Como se explica na introdução da obra, esses processos se iniciavam com uma petição dos pretendentes à Câmara Eclesiástica. Nessa petição, eles “apresentavam certidões de batismo e faziam um depoimento oral” – razão pela qual eram chamados de oradores – em que declaravam ser solteiros e desimpedidos e indicavam testemunhas que depusessem a respeito deles. Esses processos contêm informações preciosas sobre a genealogia de inúmeras famílias fluminenses, tais como dados sobre a naturalidade, a origem étnica e a profissão dos noivos. No entanto, como toda obra que se torna uma fonte genealógica secundária, é preciso lê-la com atenção, pois não é impossível que contenha erros.
O segundo resumo de processo apresentado no primeiro volume da obra refere-se ao casal Antônio da Silva Brandão e Ana dos Reis (sic). Em uma observação, o autor declara que “o processo começa em 1670 e acaba em 1683”. O orador ou pretendente Antônio é descrito como oficial de tanoeiro, morador na freguesia da Candelária e natural da freguesia de Nossa Senhora do Monte da Caparica, termo da vila de Almada, que era uma freguesia localizada no lado oposto a Lisboa, na outra margem do rio Tejo. Ele era filho de Manoel Antunes e Inês de Andrade. A oradora Ana dos Reis, por sua vez, foi sucintamente descrita como natural do Rio de Janeiro e “filha de Domingos Rezende e de Maria Barreto (sic)”. O casal arrolou três testemunhas – Bartolomeu Lopes, Luís de Almada Freire e João Reimão – das quais a primeira e a terceira declararam conhecer o pretendente da Caparica, onde eram vizinhos.
Observe que destaquei dois nomes – Ana dos Reis e Maria Barreto – , pois é neles que reside o problema que descrevi no parágrafo inicial e que só foi descoberto porque o autor da obra incluiu outro trecho na observação do resumo onde declara que “está incluso um requerimento de Luís da Silva do Amaral, [natural do] Rio de Janeiro, filho do Dr. Salvador da Silva Brandão e de D. Mécia do Amaral, neto de Antônio da Silva Brandão e de Ana dos Reis”. Esse Salvador da Silva Brandão foi doutor em leis, formado pela Universidade de Coimbra, e faleceu em 20 de setembro de 1725, tendo seu óbito sido registrado em livro da freguesia de Nossa Senhora da Candelária. No registro lê-se, entre outras coisas, que ele declarou em seu testamento ser “natural desta cidade [do Rio de Janeiro], filho legítimo de Antônio da Silva Brandão e de sua mulher Ana d’Oréns“.
Ana d’Oréns era, portanto, o nome da mãe do doutor Salvador, nome esse a que alguns pesquisadores quiseram atribuir uma origem francesa por sua sonoridade. A carioca Ana d’Oréns, no entanto, era filha de Domingos Rodrigues Resende, patrão-mor da cidade falecido em 6 de agosto de 1674, conforme registro de óbito em que se lê que ele “deixou por seus [testamenteiros] seus genros Salvador Monteiro e Antônio da Silva [Brandão]”, este certamente o marido de Ana. A mulher com quem Domingos Rodrigues Resende foi casado, por sua vez, não se chamava Maria Barreto, conforme constatamos na leitura do assento de batismo de Lourenço, filho do casal, que vemos abaixo e lemos a seguir.
Em quinze do dito [mês de agosto de 1656], batizei e pus os santos óleos a Lourenço, filho de Domingos Rodrigues, patrão, e sua mulher Mécia Barreira. Fora[m] padrinhos o provedor Pedro de Souza e madrinha Maria d[a] Candelária.
Fica assim, portanto, esclarecido que a pretendente Ana d’Oréns era carioca, filha do patrão-mor Domingos Rodrigues Resende e de Mécia Barreira, casal que ainda segue como ponto final desse ramo e que tem entre seus descendentes – como trineto – o tenente Antônio da Silva Amaral, que por evidências genéticas e documentais parece estar diretamente relacionado a um de meus ramos maternos ainda em investigação.
José Araújo é genealogista.