Quem já teve a experiência de fazer um teste de DNA, pode ter ficado surpreso ao descobrir que tem uma ascendência italiana de que nem desconfiava, afinal nenhum dos bisavós conhecidos tinha um sobrenome que lembrasse uma origem naquela parte da Europa. Mais surpresa ficará a pessoa que baixar os dados brutos da plataforma da empresa na qual foi testada para subir para outra plataforma e descobrir que a tal ascendência italiana não é mais reconhecida. Teria sido falha da primeira plataforma ou da segunda? A resposta é complexa e tem relação com os painéis de referência usados por cada empresa em sua plataforma.
Quando a pessoa faz um teste desses, parte de seu genoma é comparado ao painel de referência da empresa que lhe vendeu o teste. Esse painel é composto por amostras de DNA de um grande conjunto de pessoas cujos antepassados viveram nas mesmas regiões há várias gerações, considerando regiões da África, da América, da Ásia, da Europa e da Oceania. Essas amostras passam a funcionar como um modelo representativo da composição do genoma das pessoas que viveram em cada região, como por exemplo, os escoceses, os portugueses e os suecos, apenas para ficar com os povos europeus. Dito isso, é preciso dizer também que cada empresa tem seu painel de referência, daí a diferença percebida quando se transferem os dados brutos de uma empresa para outra.
Os painéis de referência são atualizados periodicamente, por isso a pessoa que faz um teste pode receber a identificação de uma ancestralidade italiana na faixa dos 5% em um momento e vê-la desaparecer alguns anos depois, mesmo na plataforma em que fez o teste – no meu caso foram 5% de sefardita que se tornaram apenas 1% na plataforma FamilyTreeDNA. Isso não significa que a primeira informação estivesse errada, mas apenas que a ferramenta foi aperfeiçoada pelo acréscimo de mais amostras para ampliar os modelos representativos, dando-lhes, supostamente, maior precisão. Em outras palavras, não foi o genoma da pessoa testada que mudou e sim a forma como ele passou a ser interpretado pela plataforma da empresa contratada.
De modo geral, os genealogistas consideram que as empresas costumam acertar nos percentuais das ancestralidades continentais – África, América, Ásia, Europa, Oceania – e ter menos acertos nas regiões específicas dentro do continente identificado para o genoma da pessoa que fez o teste. A explicação é que cada painel tenta estimar onde os ancestrais das pessoas que forneceram as amostras para cada modelo estariam de 500 a 1.000 anos, quando a Genealogia documental nem existia em boa parte das regiões continentais e muitos grupos humanos migraram amplamente pelas regiões adjacentes. É preciso levar isso em conta e torcer para que a empresa da qual se contratou o teste continue investindo para tornar seu painel de referência ainda mais preciso.

Outra questão importante está na relevância dos percentuais de cada região que a ferramenta informa para a pesquisa genealógica. Nem sempre se poderá identificar o ancestral específico que responde pelos 2% de ancestralidade nigeriana encontrado no genoma da pessoa testada, especialmente se ela tiver ascendência africana tanto no ramo paterno quanto no materno. Mas, imaginando a situação de a ascendência africana ser apenas materna, devido à forma imprecisa como o DNA é herdado de geração a geração – cerca de 50% dos pais, cerca de 25% dos avós e assim por diante – , os tais 2% podem ter sido herdados de um ancestral da 4ª, 5ª, 6ª, 7ª ou até 8ª geração, o que torna improvável apontar o n-avô específico entre centenas de potenciais.
Apenas a título de exemplo, o painel mais recente (v. 2.5) da MyHeritage me dá 5% de Nigéria, nele descrita como “região da África Ocidental que compreende os países da Nigéria, sul do Níger, Benin, Togo, Gana, Burkina Faso e Costa do Marfim”. Não estou certo se poderei identificar todos os meus antepassado oriundos dessa região, mas tenho ao menos dois octavós africanos – Estêvão e Mariana – cujos registros informam serem naturais do “gentio da Guiné”. A tal Guiné, que não guarda relação com a contemporânea Guiné Bissau, corresponderia à região mais próxima daquela descrita para as amostras do painel de referência da MyHeritage.
Diante desse cenário, deixo as seguintes recomendações:
- Use os percentuais intracontinentais como referência para sua pesquisa documental, mas não se prenda a eles, especialmente se parecerem não condizer com o que sabe sobre suas origens familiares e;
- Apenas arrisque investir na busca documental se o percentual intracontinental específico estiver acima dos 10%, pois algo inferior poderá ser exaustivo e potencialmente infrutífero.
José Araújo é genealogista.