Na noite de 27 de junho último foi assassinado na vila de S. João da Pesqueira, ao recolher-se para sua casa, o Dr. António Júlio Pinto Ferreira, advogado e deputado daquele círculo [na] sessão legislativa que se abriu em janeiro de 1865. […]

António Júlio não foi um advogado qualquer. Tampouco foi um reles defunto, afinal fora deputado e teve sua morte lamentada por ninguém menos que o escritor Camilo Castelo Branco, que a ela dedicou o seguinte comentário em nota manuscrita na obra A Lira do Douro, de Luís Maria de Carvalho Saavedra Donas Boto:

Este homem foi assassinado a tiro na Pesqueira, sua terra. O mandante morreu na cadeia, chamava-se Polónio, homem rico, e seu adversário político. Antº. Júlio foi deputado.

A nota foi escrita justamente na página que inicia o capítulo intitulado A oração dos proscritos, que foi dedicado a António Júlio por Donas Boto. A notícia do assassinato, cujo trecho inicial abre este texto, foi publicada em 4 de agosto de 1867 no Correio Mercantil. O conteúdo integral está transcrito abaixo com meus destaques e fornece mais detalhes sobre a vida pessoal de António Júlio:

Na noite de 27 de junho último foi assassinado na vila de S. João da Pesqueira, ao recolher-se para sua casa, o Dr. António Júlio Pinto Ferreira, advogado e deputado daquele círculo [na] sessão legislativa que se abriu em janeiro de 1865. Aquele atentado foi praticado disparando o assassino um tiro de bacamarte que feriu o infeliz Pinto Ferreira mortalmente no peito. Ainda viveu algumas horas depois de ferido e declarou que não conhecera o assassino, nem supunha quem seria. Não tinha 40 anos. Era homem de talento e de energia e advogado inteligente e zeloso. A sua morte é profundamente sentida por quantos o conheceram e trataram. É singular a coincidência que três deputados mortos a tiro todos tinham o mesmo cognome – Agostinho Júlio, José Júlio e António Júlio.

Seu assento de óbito foi localizado nos arquivos da Pesqueira:

Óbito de António Júlio Pinto Ferreira –  28/06/1867 – São João da Pesqueira

Aqui a transcrição com meus destaques:

No dia vinte e sete do mês de junho de mil oitocentos e sessenta e sete pelas duas horas da noite em uma casa sem número nesta freguesia de São João da Pesqueira, concelho da mesma, Diocese de Lamego, faleceu António Júlio Pinto Ferreira, solteiro, de idade pouco mais ou menos trinta e cinco anos, proprietário, Bacharel em Direito, natural da Pesqueira, meu paroquiano, morador na Rua de Albergaria; não recebeu Sacramento algum da Santa Madre Igreja Romana; não fez testamento e foi sepultado no cemitério público. Para constar lavrei em duplicado o presente assento, que assinei. Era ut supra.

Embora o termo não mencione o assassinato, o fato de ele não haver recebido nenhum sacramento sugere que tenha tido uma morte atípica. O documento fornece mais detalhes sobre esse personagem: era solteiro, ainda jovem e natural da mesma região onde morreu. Mas quem seria essa pessoa e por que dedicar a ela um texto neste blogue que trata quase que exclusivamente da história de minha família?

Explico: António Júlio Pinto Ferreira, estudante de Direito na Universidade de Coimbra entre 1841 e 1848 – segundo informam os registos daquela instituição -, foi filho de José Pinto Rebello de Carvalho, personagem ao qual dediquei vários textos neste blogue. Ambos pertencem a um ramo bastante curioso de minha árvore no qual há médicos e até uma suposta santa – prima de António Júlio.

O assento de batismo de António Júlio foi localizado nos arquivos de São João da Pesqueira. Nele se vê uma averbação que confirma as análises anteriores, embora esteja equivocada quanto ao ano do assassinato, cujo motivo permanece desconhecido.

Batismo de António Júlio – 30/07/1827 – S. João da Pesqueira

Aqui a transcrição com meus destaques:

Aos 30 de julho de 1827 batizei solenemente a António Júlio, nascido de onze dias, filho legítimo do Doutor José Pinto Rebello de Carvalho Pestana, natural de Barcos, e dona Maria Adelaide, desta vila e freguesia, neto paterno de José Pinto Rebello do Souto e Bárbara Ribeiro de Carvalho, todos de Barcos, materno de João Bernardo Ferreira, natural de Vila Real, e Anna Maria, natural desta vila. Foram padrinhos António Júlio, tio do batizado, e Anna Maria, avó do batizado. Testemunhas: António Manoel e José Joaquim. Para constar fiz este termo.

[Averbação:] era o Dr. Júlio que foi assassinado em 1868


José Araújo é linguista e genealogista.


José Araújo

Genealogista

1 comentário

Genealogia Prática - Emergência · 22 de junho de 2019 às 09:16

[…] Não era meu ascendente direto, mas sim um primo distante. A razão para abordar seu assassinato mais uma vez não está no fato em si, mas em uma questão de […]

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