No texto anterior, declarei que a genealogia de afrodescendentes é complexa e que “se não há antepassados que tiveram algum protagonismo político, cultural ou social ou que se relacionaram com pessoas que tiveram esse protagonismo, pode ser bem difícil obter informações apenas nos documentos paroquiais”. Felizmente, tenho a sorte de saber que meus familiares maternos tinham relações fortes de amizade com os editores e proprietários do Correio da Lavoura, veículo fundado em 22 de março de 1917, em Nova Iguaçu, por Silvino Hipólito de Azeredo, ele mesmo afrodescendente.

A relação entre os meus antepassados Pereira Belém e os Azeredo teria sido tão próxima que, em algum momento, chegou-se a acreditar que fôssemos parentes. Talvez alimentasse essa crença o facto de o último editor do jornal, o recém-falecido Robinson Belém de Azeredo (1944-2020), ser filho de Avelino Martins de Azeredo e de Delphina/Maria José Belém. A razão por que o sobrenome Belém entrou na família Azeredo não ficou esclarecida até o momento, mas não pude comprovar um parentesco por meio de pesquisa documental.

Voltando à questão da importância dos vínculos, foi graças à amizade entre as famílias Azeredo e Pereira Belém que muitos de meus parentes maternos foram citados em edições do secular Correio da Lavoura. No já citado texto anterior, apresentei o obituário de meu bisavô João Pereira Belém, que foi publicado na edição de 29 de setembro de 1921. Como o jornal ainda circula e semanalmente apresenta uma seção dedicada às notícias de meio século atrás, sou sempre presenteado com informações sobre minha família e até algumas surpresas que me indicam novos caminhos na pesquisa genealógica.

Uma dessas surpresas surgiu na nota transcrita abaixo, republicada na edição de 28 de julho deste ano, na seção Meio Século:

Faleceu dia 22 do corrente a veneranda Sra. Almerinda Tinoco (Chindonga), viúva de Sebastião Tinoco, de tradicional família de Austin. A extinta, que contava 98 anos, deixa uma filha, a Sra. Eugênia Tinoco Cunha, 13 netos e 13 bisnetos. O sepultamento ocorreu no dia imediato, no cemitério local, com numeroso acompanhamento.

Austin, como declarei em texto anterior dedicado a minha tia-avó Esmeralda, é uma localidade de referência para minha família materna. A falecida Almerinda, citada na nota transcrita, deve ter sido contemporânea de vários de meus parentes. Mais foi por outra razão que a nota me despertou a curiosidade: o apelido dado à senhora – Chindonga. Esse era também o apelido de uma prima de minha mãe chamada Nady (1919-2020), filha de minha tia-avó Maria Pereira Belém. Acredito que minha mãe e suas irmãs nem desconfiavam que sua prima se chamava Nady, pois apenas as ouvia referirem-se a ela como Chindonga.

Em entrevista, uma das filhas de Nady revelou que sua mãe sempre afirmava que o apelido fora herdado de outra mulher, mais velha, sem especificar se era uma parente recente ou antepassada direta. Almerinda Chindonga era mais velha que Nady Chindonga, portanto a justificativa do relato que ouvi poderia estar correta. Mas haveria alguma relação entre Almerinda e Nady? Isso só seria possível comprovar por vias documentais, então fui à busca de provas no FamilySearch.

O que encontrei permitiu constatar que Almerinda era filha de Vicente José de Souza e Galdina Pereira. Teria de avançar mais para evidenciar uma relação familiar, mas, na certidão de casamento de minha já citada tia-avó Esmeralda, encontrei dois Tinocos na relação de testemunhas: Maria Tinoco e [Alvi, talvez Alice] Tinoco de Souza, que poderiam ser as filhas de Sebastião e Almerinda Xindonga Pereira de Souza/de Souza Tinoco. A imagem abaixo apresenta essas assinaturas.

Casamento de José Antônio da Silva e Esmeralda Belém – 5/01/1927 – Nova Iguaçu (RJ)

A possível relação de parentesco entre as Chindongas não está comprovada, mas a amizade entre as famílias poderia, sim, ser deduzida pela participação das filhas de Almerinda no casamento de Esmeralda Belém. Austin ainda apresenta muitos desafios para minha pesquisa.

Para saber mais sobre a descoberta do significado do apelido Chindonga e sua possível relação com antepassados escravizados, recomendo a leitura da obra Genealogia Prática: Casos Complexos. Para quem já leu a obra, este texto serve como atualização do caso relatado nela.


José Araújo é linguista e genealogista.


José Araújo

Genealogista

1 comentário

Angola – Genealogia Prática · 3 de outubro de 2022 às 07:30

[…] apelido Chindonga, revelou Sonia, teria sido herdado de uma mulher mais velha. Penso ter descoberto prova dessa herança em um obituário publicado em jornal da cidade onde vivia nossa família, sem, contudo, ter obtido provas de que houvesse algum […]

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