A pesquisa genealógica frequentemente nos apresenta surpresas sobre antepassados de cuja existência jamais suspeitamos. Essas surpresas, no entanto, nem sempre são agradáveis.  É verdade que ninguém deseja descobrir que um antepassado cometeu um furto ou algo mais drástico, como um homicídio ou até o suicídio, mas foi exatamente este último caso o que descobri em minha pesquisa.

A descoberta ocorreu quando encontrei o assento de óbito de Violante Maria (1722-1758), antepassada direta de sete gerações, que, segundo registro do pároco, aparentemente pôs fim à própria vida afogando-se em um dia de primavera.

Óbito de Violante Maria – 13/05/1758 – Barcos, Tabuaço, Viseu

Aqui a transcrição:

Violante Maria, mulher de Pedro Nunes, do lugar de Francelos, faleceu aos 13 dias do mês de maio do ano de 1758. Não recebeu no [artigo] da morte sacramento algum, porque se afogou ela mesma no regato de frente e contíguo ao mesmo [povo], porém estava confessada em Vila Real e lá recebeu a Sagrada Eucaristia no convento de São Francisco, aonde tinha ido aos exorcismos por andar [vexada] ou variada do juízo e estes sacramentos tinha lá recebido poucos dias antes no mesmo lugar de Francelos desta freguesia da Senhora de Assunção de Villar de Maçada. E como era boa cristã e de tudo informei ao Doutor Vasco da Costa, vigário geral desta comarca, me deu licença para lhe sepultar em [sagrado] e foi sepultada dentro da igreja deste povo e freguesia de Vilar de Maçada, digo, dentro da capela de Santa Maria Magdalena do mesmo lugar de Francelos, para o que dei licença ex causa: não tinha feito testamento. Para constar fiz este era ut supra. [] Antonio [Vieira] e Brito

Consta que Violante havia tido um filho chamado Antonio, em março de 1757, o que torna seu ato, se acreditarmos na veracidade do que está registrado acima, ainda mais extremo. Afinal, o que de tão grave poderia explicar o suicídio de uma mãe com um filho tão pequeno e ainda por criar?

Na ausência de provas, podemos apenas imaginar as causas desse ato triste e chocante: na época, o exorcismo, cujo ritual estava consolidado desde o Concílio de Trento, poderia servir, entre outras coisas, para curar males do espírito. O caso de Violante, no entanto, poderia ser de ordem psíquica, afinal ela andava ‘variada do juízo’, como registrou o pároco. Talvez tivesse depressão ou até algo mais grave.

Infelizmente, não havia naquele tempo terapia ou medicamento capaz de tratar esses males. E Violante, em provável desespero, preferiu dar ela mesma um fim a seu sofrimento.


José Araújo é linguista e genealogista.


José Araújo

Genealogista

1 comentário

Genealogia Prática - Papa · 3 de fevereiro de 2018 às 06:26

[…] mencionar que esse livro continha também o único ritual formal para exorcismo sancionado pela Igreja Católica Romana até finais do século […]

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