Uma surpresa que a pesquisa genealógica pode nos trazer é a descoberta de que nossa existência pode se dever à intervenção de pessoas com as quais não temos nenhum vínculo de parentesco. É esse o exemplo que trago aqui.

Por meu ramo materno, descendo do cristão-novo Duarte Nunes, que provavelmente nasceu em Portugal e de lá veio para a Bahia em meados do século XVI. Na virada para o século XVII, já o encontramos vivendo com sua família no Rio de Janeiro, onde deixou descendência que foi documentada pelo mestre genealogista Carlos Rheingantz. Por volta de 1650, uma bisneta de Duarte chamada Maria do Lago Prego, de quem descendo diretamente, estava prometida para se casar com o capitão João Lopes do Lago, que aparentemente era seu primo em grau muito próximo.Colaboram para essa interpretação da proximidade de parentesco o sobrenome comum – Lago – e uma menção às complicações do casório feita em obra histórica sobre o padre jesuíta João de Almeida (1572-1653).

Nascido na Inglaterra, João de Almeida de lá saiu na adolescência com destino a Portugal, onde foi recebido por um comerciante de Viana do Castelo chamado Bento da Rocha, que era amigo de seu pai. Esse homem cuidou de sua educação até os 19 anos, quando o enviou para o Brasil. Na nova terra, João ordenou-se padre e, em meados no século XVII, vivia no Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro, no Morro do Castelo, onde se tornou conselheiro da elite local. É nesse contexto de sua vida que retomamos a peripécia do casório de meus antepassados:

10 Tratava Maria da Cunha, Dona viúva, com todo o segredo, de casar a uma filha sua, por nome Maria do Lago Prego, com o capitão João Lopes do Lago, & por encontrarem os parentes dela este casamento, nem se sabia determinar a efetuá-lo. No meio desta irresolução, estando na sua fazenda, distante da cidade mais de seis léguas, lhe mandou dizer o padre ALMEIDA que o negócio que trazia em mão do casamento de sua filha o efetuasse logo, sem reparar na contrariedade do parentesco porque era assim serviço de Deus. Com este aviso, pôs em execução o casamento & julgou que o p. ALMEIDA tivera sobrenaturalmente notícia dele, porque o tratava com grande segredo, & e nem ela nem os parentes lho haviam comunicado. _ In: VASCONCELOS, Simão de. Vida do p. Joam d’Almeida da companhia de Iesu, na provincia do Brazil. Lisboa, 1658, pp. 265-266.

A mãe da noiva Maria do Lago tratava o assunto “com grande segredo” por causa da “contrariedade do parentesco” – os noivos deveriam mesmo ser primos -, o que seria um obstáculo para o enlace. Para minha sorte, parece que o padre João recebeu uma revelação divina sobre o caso e foi ágil em orientar a mãe de Maria a correr com o casamento. Não fossem as instâncias sobrenaturais e os bons instintos do padre, eu não estaria aqui contando sobre o ocorrido.

Como não sou de todo tão crente em milagres, suspeito que o tal tutor do jovem João de Almeida em Viana do Castelo possa ter sido de alguma forma relacionado à família do noivo João Lopes do Lago, que seria neto de André Rodrigues do Lago e Madalena Gonçalves Prego, naturais da mesma Viana do Castelo.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista