É recorrente o comentário nos grupos dedicados à Genealogia sobre a dificuldade de encontrar registros documentais dos antepassados, por vezes até mesmo de antepassados recentes como avós e bisavós. Posso dizer que compartilho essa experiência e a frustração que ela produz, mas também atesto que jamais desisto da busca, por mais infrutífera que ela pareça ser. Essa persistência tem me trazido bons resultados e sugerido estratégias de busca e análise que costumo compartilhar. Este texto apresenta – ou reapresenta – algumas dessas estratégias.
1. Haplogrupos mitocondriais
Quem já fez um teste de DNA com foco em genealogia pode ter dúvida sobre o significado e a relevância do haplogrupo mitocondrial. Vamos começar com o significado: esse haplogrupo indica a origem geográfica aproximada da antepassada mais remota, ou seja, a mulher mais antiga de quem descendem você, sua mãe, sua avó, sua bisavó, sua trisavó e assim por diante, sempre na linha ascendente feminina. Mas qual a relevância de saber isso? Se você é brasileiro(a), precisa saber que os haplogrupos mitocondriais não europeus mais frequentes na população brasileira são os da sequência A, B, C, D, que remetem principalmente a uma herança indígena; e L1, L2 e L3, que remetem a uma herança africana. Ter um desses haplogrupos identificados no teste de DNA abre possibilidades de uma pesquisa documental que alcance os primórdios da ocupação do Brasil, portanto de construção de uma árvore genealógica bem vasta. Isso é bem significativo para quem tem origem familiar no Nordeste, por exemplo, pois existe farta documentação histórica e de cunho genealógico sobre essa região. A única e frequente dificuldade está na identificação da paternidade de filhos naturais de mulheres escravizadas ou indígenas, pois nesses casos é preciso contar com a sorte de encontrar um documento de reconhecimento de paternidade, que pode estar no testamento do pai ou em uma carta de alforria.
2. Nomes devocionais
Antes do século XX, era muito comum que as jovens, no crisma, adotassem nomes devocionais como da Conceição, de Jesus ou do Amor Divino. Muitos pesquisadores já devem ter observado que esses nomes criam enormes problemas para a Genealogia por não trazerem indicação dos sobrenomes familiares. Além disso, eles poderiam ser mudados ao longo da vida – tenho uma antepassada que consta em alguns registros como Firmiana Maria da Conceição e em outros como Firmiana Maria de Jesus – o que só aumenta a complexidade da pesquisa. A sugestão que ofereço é de buscar irmãos inteiros (de pai e mãe) da ascendente que contém um nome devocional, pois um dos registros desses irmãos poderá trazer informações sobre os pais e avós no ramo familiar de interesse.
3. Herança de nomes
Era bastante comum, entre os séculos XVII e XIX que uma criança recebesse no ato do batismo o nome de um de seus avós. Poderia até haver uma regra para isso: o primeiro filho homem receberia o nome do avô paterno; o segundo filho homem receberia o do avô materno; a primeira filha receberia o da avó paterna; e a segunda filha receberia o da avó materna. Os filhos seguintes poderiam receber os nomes de tios e padrinhos. Essa regra poderia variar, mas em minha árvore encontrei alguns casos interessantes, como o de minha tetravó Firmiana Maria de Jesus, que era filha Preciosa Maria de Barcelos, neta de Firmiana Maria Xavier e deu a uma de suas filhas o mesmo nome da mãe, isto é, Preciosa. Nesse mesmo ramo houve outros casos, como se observa no gráfico abaixo. O reconhecimento desse costume pode ser útil quando não se encontra nenhum documento que nomeie o avô ou a avó de um antepassado, pois, se forem conhecidos os nome dos irmãos dessa pessoa, passam a existir algumas possibilidades para identificação dos nomes dos avós.
4. Nomes repetidos
Durante a pesquisa por documentos paroquiais é possível encontrar dois registros de batismos em sequência nos quais as crianças recebem o mesmo nome na pia batismal. Em casos assim, a suposição deve ser de que a primeira criança faleceu antes do nascimento da segunda. A busca por um assento de óbito para a primeira criança pode confirmar o caso. Em situações de processos de busca de outra cidadania, é importante assegurar que o registro encontrado é mesmo o do antepassado direto e não o de um irmão homônimo nascido antes dele e falecido em seguida.
5. Sobrenomes
A estabilização dos sobrenomes na forma de filhos reberem o sobrenome de sua mãe seguido do de seu pai é algo não muito antigo. Nos séculos anteriores ao XX, era comum que os meninos seguissem na vida adulta com o sobrenome paterno e as meninas, com o sobrenome materno ou um nome devocional. Mas nem sempre a observância era estrita. Os filhos conhecidos de Manoel da Luz Escórcio Drummond com Maria de Brito e depois com Bárbara Rodrigues, por exemplo, seguiram um caminho parecido: Inácio da Luz (filho de Maria); Maria da Luz Escórcia Drummond e talvez Inês da Luz (filhas de Bárbara). Como se observa, as duas filhas não seguiram com os sobrenomes maternos.
6. Equívocos
Nem sempre a pesquisa genealógica pode ser feita apenas com fontes primárias como registros de batismo, casamento, óbito. Em muitos casos os documentos não existem mais, mas se pode contar com estudos de genealogistas renomados como Carlos Rheingantz (para o RJ), Pedro Taques e Luiz Gonzaga da Silva Leme (para SP) e Antônio de Santa Maria Jaboatão (para a BA e PE), entre outros. Embora as obras produzidas por eles sejam de consulta fundamental – e às vezes incontornável – , elas sempre devem ser lidas de forma cautelosa, pois os mestres do passado podem ter cometido alguns equívocos ou deixado de registrar algum descendente de uma família específica.
Em Rheingantz, por exemplo, existem alguns títulos familiares que podem hoje ser mais detalhados, expandidos e até retificados diante de incertezas registradas pelo próprio mestre. No exemplo exibido a seguir, ele atribuiu a filiação da mulher de Pedro de Galegos (II.3) a Baltazar de Azevedo Garcia, embora tenha registrado incerteza diante do texto original que se vê em imagem logo adiante com destaque. Na verdade, o nome do pai da noiva era Baltazar de Azevedo Escórcia, homem casado duas vezes, sendo a segunda com Mariana de Peralta – e não Maria Paula, como registra Rheingantz com evidente dúvida.
7. Balizadores etários
Nos séculos anteriores ao XX e até depois dele, era comum que homens se casassem a partir dos 19 ou 20 anos e que as mulheres o fizessem perto dos 14 anos. Essas idades são balizadores úteis para a busca de documentos, ainda que possa haver exceções. Assim, por exemplo, se encontramos um registro de casamento para o ano de 1800, mas não se tem os registros de batismo dos noivos, é possível supor que o noivo tenha nascido perto de 1780 e que a noiva tenha nascido perto de 1786. Com esses balizadores podem-se buscar os respectivos assentos batismais nos livros disponíveis na paróquia onde foi realizado o matrimônio.
José Araújo é genealogista.