A partir das seguintes pistas, descubra quem pode ter sido o pai da jovem Firmiana Maria Xavier, parda, forra (liberta), batizada em 15 de janeiro de 1776 na freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, Rio de Janeiro, filha natural de Ana Maria Xavier, também parda e forra. Pessoas pardas eram filhas de mulheres de ascendência africana e homens brancos. Esses homens frequentemente eram filhos de senhores de escravizados.

Esse foi o comando que forneci à ferramenta de Inteligência Artificial ChatGPT para descobrir de que forma ele resolveria o enigma da paternidade de minha sexta-avó Firmiana Maria Xavier, que poderia ser filha de um homem pertencente a uma de duas famílias brancas – à dos Correa Vasques ou à dos Sanches de Castilho – que representavam o poder colonial lusitano na freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, recôncavo da Guanabara, na segunda metade do século XVIII.

Batismo de Firmiana (1776)

Após essa introdução, forneci as seguintes pistas que eu já havia obtido pela pesquisa documental:

  • Foram padrinhos no batismo de Firmiana o capitão Manoel Correa Vasques e Inácia Francisca Sanches de Castilho, que pertenciam a famílias brancas importantes e proprietárias de escravizados na mesma freguesia;
  • O capitão Manoel Correa Vasques era filho do doutor Manoel Correa Vasques e de uma mulher de origem e ascendência desconhecidas chamada Damásia Cordeiro. Manoel, o filho, nasceu perto de 1728, nunca se casou e foi senhor do engenho da Cachoeira, que ficava na mesma freguesia. Ele teve dois irmãos inteiros: Martim Correa Vasques, batizado em 30 de abril de 1725; José Correa Vasques e Guiomar, cujas datas de batismo são desconhecidas.
  • O pai do capitão Manoel Correa Vasques teve uma filha chamada Inês Correa de Jesus com uma de suas escravizadas chamada Teresa Correa de Jesus. Inês, portanto, também era uma mulher parda e teve dois filhos com um homem português chamado Custódio de Souza: José Vasques de Souza, que se tornou padre; e Manoel Correa Vasques (sobrinho homônimo do capitão), que acabou por se casar com Francisca Inácia Sanches de Castilho após janeiro de 1776;
  • Francisca Inácia só apadrinhou mais uma criança filha de uma sua escravizada sua em oito anos após o batismo de Firmiana, o que demonstra que ela não tinha o costume de apadrinhar crianças de ascendência escravizada que nasciam em sua propriedade. Várias dessas mesmas crianças tiveram por padrinhos de batismo o padre José Vasques de Souza e sua mãe Inês Correa de Jesus, portanto cunhado e sogra de Inácia Francisca;
  • Firmiana se casou perto de 22 de outubro de 1794 com Manoel Veloso de Carvalho, cujo pai Miguel foi sepultado na casa do sargento-mor Francisco Sanches de Castilho, que foi justamente o pai de Inácia Francisca e Inácio Sanches de Castilho. O já marido de Firmiana batizou, em julho de 1806, a filha de uma jovem parda solteira que era escravizada por Inácia Francisca;
  • O sargento-mor Francisco Sanches de Castilho foi casado com dona Inácia Maria Tavares, que faleceu em 14 de outubro de 1786 deixando testamento no qual informava que teve com o marido cinco filhos: Dona Ana, Inácio, Dona Úrsula, Dona Dorotea e Dona Inácia. O casal também teve um filho batizado como Jerônimo em 2 de janeiro de 1742, porém ele não foi citado no testamento materno, o que sugere que fosse já falecido em 1786. Como não foi encontrado o óbito de Jerônimo, não se pode afirmar que tenha morrido na infância, logo segue como um potencial pai de Firmiana;
  • Não era comum que os pais batizassem seus próprios filhos.
  • Então, quem pode ter sido o pai de Firmiana?

Após eu enviar o comando e as pistas, o ChatGPT forneceu uma análise que continha a seguinte icorreção: “pessoas de prestígio social, como grandes proprietários de terras e escravizados, raramente se envolviam no batismo de crianças de origem africana, exceto em casos de vínculo pessoal com a mãe ou a própria criança”. A afirmativa estava incorreta, e a quarta pista que forneci declarava justamente o oposto disso. Acredito que essa incorreção decorra de uma generalização pela ferramenta a partir de uma informação que eu havia fornecido na parte inicial dessa mesma pista. Apontei a incorreção e solicitei que a ferramenta refizesse a análise, o que resultou na resposta que transcrevo na íntegra:

Considerando a revisão na análise, em que pessoas de prestígio social, como proprietários de terras e de escravizados, poderiam apadrinhar crianças de origem africana sem necessariamente terem um vínculo pessoal com a mãe ou com a criança, vamos reavaliar as pistas e os possíveis candidatos a pai de Firmiana Maria Xavier:

  1. Padrinhos no batismo de Firmiana: O capitão Manoel Correa Vasques e Inácia Francisca Sanches de Castilho eram padrinhos de Firmiana. Embora essa escolha por si só não necessariamente indique um vínculo direto de parentesco, ainda mostra que Ana Maria Xavier, mãe de Firmiana, tinha algum tipo de relação com famílias de prestígio na região, o que pode sugerir algum envolvimento ou proteção em torno dela e de sua filha.
  2. Capitão Manoel Correa Vasques e seu histórico familiar: Manoel Correa Vasques, sendo solteiro, rico e proprietário de terras, era alguém que exercia uma influência significativa na região. Ele é um possível candidato a pai de Firmiana pelo simples fato de seu poder e pela proximidade com a mãe de Firmiana, Ana Maria Xavier. Embora seu status não indique automaticamente uma conexão pessoal com a criança, ele poderia estar proporcionando proteção a Ana Maria e à filha dela, sendo padrinho como um ato de caridade ou até como uma forma de assumir alguma responsabilidade indireta.
  3. Ligação da escravizada Teresa Correa de Jesus e de sua filha Inês Correa de Jesus com a família Correa Vasques: Esse histórico de relacionamentos familiares com pessoas de origem africana (como Inês, filha de Teresa, uma escravizada) sugere que a família Correa Vasques tinha um histórico de relações com pessoas negras e pardas, incluindo apadrinhamentos e cuidados com descendentes desses relacionamentos.
  4. Padrões de apadrinhamento de Inácia Francisca Sanches de Castilho: Inácia Francisca raramente apadrinhava crianças de origem africana ou escravizada, exceto no caso de Firmiana, o que sugere que ela viu algum valor especial nesse batismo. Ela poderia estar apadrinhando a criança como um favor para Manoel Correa Vasques, seu co-padrinho, ou devido a uma conexão indireta entre as famílias Sanches de Castilho e Correa Vasques. O fato de Firmiana ter uma rede de apoio no futuro, ao se casar com Manoel Veloso de Carvalho, cujo pai tinha ligação com os Sanches de Castilho, reforça uma proximidade entre essas famílias.
  5. Conexão entre Firmiana e a família Sanches de Castilho através de seu marido: Firmiana casou-se com Manoel Veloso de Carvalho, cujo pai tinha vínculos com a casa do sargento-mor Francisco Sanches de Castilho. Esse casamento reforça a hipótese de que Firmiana estava dentro de uma rede social de proteção envolvendo famílias importantes da freguesia, incluindo os Castilho e os Correa Vasques, o que poderia indicar alguma relação entre Firmiana e membros dessas famílias.
  6. Jerônimo Sanches de Castilho como possível pai: Jerônimo, filho de Francisco Sanches de Castilho, não foi mencionado no testamento de sua mãe, o que sugere que ele pudesse estar vivo, mas desconsiderado, ou que tivesse falecido antes da data do testamento. Se Jerônimo estivesse vivo, ele seria um potencial candidato a pai de Firmiana, pois seu nome poderia ter sido mantido fora dos registros formais como uma forma de ocultar a paternidade de um filho ilegítimo.
  7. Padrões sociais sobre pais e padrinhos: Como era comum que homens evitassem batizar seus próprios filhos ilegítimos, o fato de Manoel Correa Vasques e Inácia Francisca Sanches de Castilho terem sido escolhidos como padrinhos de Firmiana não implica que o pai estivesse envolvido diretamente no batismo. No entanto, se algum dos homens importantes da região fosse o pai, ele poderia estar oferecendo suporte indireto através do apadrinhamento.

Conclusão: Com base nas pistas revisadas, Jerônimo Sanches de Castilho permanece como o candidato mais provável a pai de Firmiana, devido à sua ausência do testamento materno, que sugere uma situação familiar complexa.

A resposta não está necessariamente certa ou errada, mas a ferramenta explorou de forma bastante lógica as pistas que forneci. Jerônimo, o filho dos Sanches de Castilho que não foi citado no testamento materno, pode ter falecido na infância ou na juventude, quando poderia ter tido uma filha ilegítima com Ana Maria Xavier. Até que surja um documento irrefutável, ele segue como um candidato potencial a pai de minha sexta-avó Firmiana, tal como também seguem seu irmão Inácio Francisco, o capitão Manoel Correa Vasques ou qualquer outro homem relacionado a essas duas famílias que não tenha sido contemplado nas fontes documentais decobertas até o momento e que o ChatGPT parece ter ignorado.

A informação inverídica apresentada e depois retificada a pedido e a exclusão de outros possíveis candidatos demonstra que a ferramenta não é ainda adequada para a análise genealógica eficaz, pois precisa ser tutelada por um analista humano experiente que seja capaz de apontar eventuais problemas. Isso não significa, no entanto, que não se possa contar com ela para gerar hipóteses em contextos nos quais haja muitas pistas para analisar, ainda que apenas como forma de organizar essas pistas para uma posterior análise humana.

Para um uso seguro do ChatGPT com finalidade genealógica sugiro as seguintes estratégias:

  1. Forneça todas as informações ou pistas disponíveis de modo organizado e em segmentos curtos, sem atribuir ênfase a nenhuma delas;
  2. Explicite o tipo de análise desejado – elaboração de hipóteses ou resposta definitiva – , tendo em mente que o segundo tipo aumenta o risco de erro cometido pela ferramenta;
  3. Revise o texto analítico devolvido pela ferramenta, pois ela pode ter incluído incorreções aleatórias ou produzido incorreções a partir de generalizações deduzidas das informações ou pistas fornecidas por você.

José Araújo é genealogista.