Suspeitar de que compartilhamos um antepassado específico com um primo genético (match) apenas porque ele tem determinado sobrenome pode ser um caminho certo para o equívoco. Recentemente tive uma experiência que parece respaldar essa afirmação quando descobri um match na plataforma Genera chamado Lucas Salles. Experiências prévias relacionadas a esse sobrenome me levaram a acreditar que ele fosse descendente de João Pinheiro de Souza (1719-1782), que foi meu sexto-avô materno. O sobrenome Salles parece ter sido adotado – por razões ainda ignoradas – na descendência desse patriarca a partir de seu neto Francisco de Salles Pinheiro e Souza e depois usado em combinações como Salles de Moraes, Salles Pinheiro de Moraes e Salles Amorim. Trata-se de uma família em que houve notável endogamia, o que aumentou a carga genética do patriarca em sua descendência, chegando até mim por minha tetravó Maria Teresa da Paz (1791-1855), que foi neta dele.

Essa notável endogamia permitiu a descoberta de inúmeros primos genéticos em estados como Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo, que compartilham comigo quantidades de DNA que variam de 18 cM a 60 cM. Com o tal match Lucas Salles eu compartilho 36 cM, portanto ele satisfaria ao menos duas condições – sobrenome e quantidade de DNA – para ser meu primo pela descendência comum no patriarca João. Embora Lucas parecesse ser apenas mais um de uma dezena de primos por esse ramo, decidi comprovar o parentesco distante apenas como um exercício, pois considero essa pesquisa bastante prazerosa. Os primeiros passos comprovaram que o Salles chegava a Lucas por sua linha patrilinear e foi por ela que segui na busca de documentos, pela qual descobri que se tratava de uma família oriunda de Minas Gerais. Mas a busca logo foi interrompida pela falta de documentos.

Diante da possibilidade de haver endogamia também na família de Lucas, decidi subir pelo ramo de sua bisavó paterna, chamada Maria Ana Castelo Branco, que foi esposa de Paulo Veiga Salles. Foi a partir daí que encontrei algo interessante e – sem trocadilho – bastante familiar. Maria Ana era bisneta de José Justino Pereira e Angélica Teodora de Jesus, que tiveram dispensa de consanguinidade para se casar em agosto de 1859, pois eram primos, sendo ambos netos – ele materno e ela paterna – do capitão Joaquim Pereira Barbosa e de Rita de Jesus Velasco. Interessante registrar que o matrimônio de José Justino e Angélica Teodora foi celebrado na freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Marapicu, que ficava na mesma região onde viveram os meus antepassados maternos – talvez mais um indício que respaldasse a suspeita de que Lucas Salles descendesse do patriarca João Pinheiro de Souza.

Casamento de José Justino e Angélica Teodora

Subindo duas gerações no ramo do capitão Joaquim Pereira Barbosa, avô de José Justino, cheguei ao casal Félix Pereira Barbosa e Rita Correia de Jesus, casados em 2 de junho de 1744 na mesma freguesia de Marapicu. Félix e Rita tiveram cinco filhos: Francisco, Joana, Joaquim, José e Manoel. Seguiremos com Joaquim e Joana. O primeiro, em adulto assinou Joaquim Pereira Barbosa, foi alferes e casou-se com Rita de Jesus Velasco. Desse casamento nasceram Emerenciana de Jesus Velasco, que foi a mãe de José Justino Pereira; e Joaquim Pereira Barbosa, que foi o pai de Angélica Teodora de Jesus. Lembremos que foi esse o casal – José Justino e Angélica Teodora – que teve dispensa de consanguinidade e que encontramos na ascendência de Lucas Salles.

Joana, que em adulta foi conhecida como Maria de Jesus, casou-se com Francisco Antônio Pereira de Faria (1746-1833), batizado na freguesia portuguesa de Santa Maria do Abade. No Brasil, por razão ainda desconhecida, o marido de Joana passou a assinar Francisco Antônio Pereira Belém. Joana e Francisco Antônio tiveram ao menos sete filhos e alguma endogamia em alguns ramos descendentes. Um dos filhos desse casal foi Pedro Cipriano Pereira Belém (1795-1860), que teve um relacionamento de vários anos e cinco filhos com minha já citada tetravó Maria Teresa da Paz, que era casada, mas vivia separada do marido. Suspeito que Pedro Cipriano tenha sido o pai de meu trisavô Pedro Gomes de Moraes, provável sexto filho, concebido quando Maria Teresa ainda vivia com o marido. Pedro Gomes, por sua vez, foi o pai de João Pereira Belém, meu bisavô materno.

O caso narrado poderia ser resumido no dito popular “atirou no que viu, acertou no que não viu”. Eu apostei todas as fichas no sobrenome Salles, imaginando que o match Lucas seria descendente do patriarca João Pinheiro de Souza, e acabei descobrindo que a ascendência estava, de facto, em ramo indiretamente – porque por casamento – relacionado ao patriarca Francisco Antônio Pereira Belém.

Que sirva de lição.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista