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Declaro que sou natural desta cidade do Rio de Janeiro, filha legítima de João de Almeida Pereira e de sua mulher Maria de Melo, já defuntos. // Declaro que fui casada com Miguel Veloso de Carvalho, já defunto, e deste matrimônio […] uma filha por nome Inês Muniz Veloso de Barcelos, a qual [foi] casada com João Pacheco Cordeiro […]

Nesse trecho de seu testamento, Rosa Maria de Melo Fróis (1682-1760) declara sua ascendência e descendência, esta representada por sua única filha Inês. Enquanto a ascendência de Rosa é parcialmente conhecida até os anos de 1570, sobre Miguel Veloso de Carvalho, o pai de Inês, quase nada sabemos, pois o assento que contém o registro de seu matrimônio com Rosa Maria na freguesia da Candelária se encontra muito danificado e ilegível nas linhas em que leríamos sobre sua filiação e naturalidade, como se vê na imagem.

Casamento de Miguel Veloso e Rosa Maria Melo

O mestre Carlos Rheingantz (Primeiras Famílias do Rio de Janeiro, Vol. I, p. 42), que talvez tenha tido acesso ao livro quando o assento era pouco mais legível, nos informa que Miguel era carioca e teria nascido perto de 1680, mas nada declara sobre sua ascendência, como lemos a seguir.

I-12. d. Rosa Froes, n. no Rio (Candelária 2º,77) bat. a 20.4.1682, e fal., casada no Rio (Candelária 2º,50) a 24.1.1712 (no pretório de N. S. do Livramento da fazenda de … Melo), com Miguel Veloso de Carvalho, n. no Rio por volta de 1682 e fal., morador em Jacutinga.

Na falta de mais documentos, para tentar descobrir mais sobre a origem de Miguel Veloso, recorri a pistas que pudessem ter relação com os detalhes já conhecidos: os anos de seu casamento (1712) e óbito (antes de 1760), além do fato de sua filha Inês usar na idade adulta sobrenomes que parecem não ter relação com o ramo materno dela: Muniz e de Barcelos.

Adicionalmente, a pesquisa revelou que houve outro Veloso de Carvalho, contemporâneo de Miguel, na mesma freguesia de Santo Antônio de Jacutinga onde este morava segundo Rheingantz. Esse homem se chamava João Veloso de Carvalho e foi um grande proprietário de escravizados, o que pode atestar seu poder local. Graças à transcrição dos livros de batismos e casamentos de escravizados dessa freguesia para os anos de 1686 a 1721, feita por duas estudantes universitárias, pude obter mais informações sobre João.

O assento de batismo cuja transcrição lemos a seguir revela que João teve dois filhos chamados Basílio e Maria, que já deveriam ter mais de 14 anos de idade em 1690, pois sabemos qual sobrenome familiar eles usavam na época do registro: apenas Veloso. Lembremos que no batismo a pessoa recebia apenas o nome e que a escolha do sobrenome se dava no momento do crisma, ou seja, perto dos 14-15 anos.

Luís e Antônio // Aos trinta dias de março de mil seiscentos e noventa anos batizei e pus os Santos Óleos a Luís e Antônio gêmeos filhos de Domingas do gentio da guiné escrava de Diogo Domingues. Foram padrinhos Basílio Veloso e Dona Maria Veloso filhos de João Veloso de Carvalho. // O Padre Manuel de Souza Cação

O próximo assento de batismo revela que João Veloso teve mais uma filha chamada Paula. Com esses dados, estipulo que os filhos de João tenham nascido entre as décadas de 1670-1680, pelo que posso estimar que ele mesmo tivesse nascido na década de 1650.

Maria // Em os vinte dias do mês de junho de mil seiscentos e noventa e nove batizei e pus os santos óleos a Maria filha de Lauriana Colaça. Foram padrinhos João Veloso de Carvalho e Dona Paula, sua filha de que fiz este assento em Santo Antônio de Jacutinga. // O Padre Luís de Lemos Pereira.

O óbito de João Veloso pode ser estimado pelo próximo registro de batismo, datado de 1715, do filho de uma escravizada que pertenceu a seus herdeiros.

Domingos // Aos dezessete dias do mês de novembro de mil setecentos e quinze batizei e pus os santos óleos nesta igreja de Santo Antônio de Jacutinga a Domingos filho de Hilário e de sua mulher Doroteia escravos dos herdeiros do defunto João Veloso de Carvalho e foram padrinhos Domingos Ferreira de Passos.

Se seguirmos com as pistas disponíveis – datas, locais, sobrenomes – não seria ilógico supor que João Veloso de Carvalho fosse também o pai de Miguel, que Rheingantz estimou ter nascido perto de 1680. E, talvez, pelo que eu chamaria de um golpe de sorte, possamos realmente confirmar isso pelo assento de batismo de Luzia e Grácia, cuja transcrição lemos a seguir.

Luzia e Grácia // Aos dezessete dias do mês de setembro de mil setecentos e dezessete batizei e pus os santos óleos nesta Igreja de Santo Antônio de Jacutinga a Luzia e Grácia filhas de Hilário e de sua mulher Doroteia de Miguel Veloso de Carvalho e foram padrinhos de Luzia o Padre Simão da Fonseca e D. Bárbara de Menezes e de Grácia José Nunes pardo e Teodora e para tudo constar fiz este assento era e dia ut supra. // O Padre Simão da Fonseca

O casal Hilário e Doroteia fez batizar mais uma filha três anos depois, como lemos em mais esta transcrição.

Francisca // Aos quatro dias do mês de junho de mil setecentos e vinte batizei e pus os santos óleos nessa Igreja de Santo Antônio de Jacutinga a Francisca filha de Hilário e de sua mulher Doroteia crioula escravos de Miguel Veloso de Carvalho e foram padrinhos João Alves de Carvalho e Joana do Espírito Santo e para constar fiz este assento. // O Padre Simão da Fonseca

Hilário e Doroteia, como vimos, pertenciam aos herdeiros de João Veloso em novembro de 1715. Em setembro de 1717, no entanto, o casal de escravizados tinha outro senhor: Miguel Veloso de Carvalho. Seria lógico, por tudo o que foi apresentado até aqui, supor que Miguel fosse um dos tais herdeiros, logo mais um filho de João Veloso de Carvalho. A identidade de sua mãe, no entanto, segue desconhecida.

Miguel Veloso, lembremos, teve de uma sua escravizada conhecida como Maria Angola um filho que foi batizado em 1776, na mesma freguesia de Santo Antônio de Jacutinga, como Manoel. Deles descendeu minha avó materna Durvalina, nascida em 1895.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista

2 comentários

Munizes – Genealogia Prática · 12 de fevereiro de 2025 às 09:50

[…] texto anterior, propus que a filiação de Miguel Veloso de Carvalho (1682-1760) fosse identificada em João […]

Aleixo – Genealogia Prática · 25 de fevereiro de 2025 às 19:13

[…] Descenderam de Aleixo Manoel (pai e filho) os sete filhos de Fernando Muniz Barreto e Maria Machado, de quem tratei em texto anterior. Minha avó materna Durvalina descende de uma das filhas do casal cuja identidade ainda segue desconhecida, mas de quem se sabe que foi casada com João Veloso de Carvalho. […]

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