No texto anterior, propus que a filiação de Miguel Veloso de Carvalho (1682-1760) fosse identificada em João Veloso de Carvalho (1650-1711). A estratégia envolveu a leitura de assentos de batismo e casamento que nomeavam um casal de escravizados que haviam pertencido a João e depois passaram à posse de seus herdeiros, tendo finalmente sua propriedade atribuída a Miguel. No mesmo texto, mencionei que a identidade da mãe de Miguel permanecia desconhecida, mas sugeri que a solução de mais esse mistério talvez estivesse no nome da única filha que ele teve com Rosa Maria de Melo Fróis.

Essa filha, quando adulta, usou o nome Inês Veloso Muniz de Barcelos (1716-1775). O Veloso é facilmente relacionável ao ramo paterno dela, mas o Muniz e o de Barcelos não foram encontrados nos ramos maternos, pelo que supus que poderiam também ter vindo por sua ascendência em Miguel Veloso. Inês casou-se perto de 1730 com João Pacheco Cordeiro (1711-1760), filho de Gaspar Cordeiro de Peralta (1683-1744) e Maria Pacheco dos Prazeres (1688-1744).

Após várias buscas por eventuais relações dessas pessoas com os Munizes e descobri a seguinte escritura de venda de terras lavrada em 1715 por Gaspar e Maria, sogros de Inês.

Escritura de venda de chãos que fazem Gaspar Cordeiro de Peralta e sua mulher Maria Pacheco a Manoel Coutinho – com 2,5 braças de testada e o fundo que se achar até entestar com os fundos dos chãos que Pedro de Peralta diz que são seus, sitos na rua do Rosário, em o canto indo para a Prainha, chãos já arruados pelo arruador desta cidade Paulo Ribeiro, que partem com casas do comprador, havidos por dote de Fernando Muniz Barreto, sogro do vendedor e pai de sua primeira mulher Juliana Barreto. Preço: 70$000

Como se observa, a escritura revela um matrimônio anterior de Gaspar que passou despercebido aos genealogistas do passado. Ele fora casado com Juliana, filha de Fernando Muniz Barreto. A esposa de Fernando, Maria Machado, faleceu em 8 de julho de 1705 na freguesia de Nossa Senhora da Apresentação do Irajá. Em seu testamento, ela declara que teve do marido sete filhos, dos quais houve três homens e quatro mulheres. Além de Juliana, outra das filhas de Fernando e Maria foi identificada e quando adulta ela era conhecida como Paula Muniz.

É neste ponto que surge um detalhe relevante: Paula foi casada com Mateus de Peralta de Azevedo, irmão de Gaspar Cordeiro de Peralta, ambos filhos de Tomás Cordeiro de Peralta (1625-1701) e Inês da Luz (1636-1701). Acrescento às pistas anteriores o registro do batismo do menino Fernando, filho de Mateus e Paula, que recebeu no ato o mesmo nome de seu avô materno, como era costume.

Aos doze dias do mês de agosto do ano de mil e setecentos, batizei e pus os santos óleos a Fernando, filho legítimo de Mateus de Peralta e de sua mulher dona Paula Muniz. Foram padrinhos Gaspar Cordeiro de Peralta e dona Paula Veloso, filha de João Veloso de Carvalho.

Nesse assento devemos prestar atenção ao nome da madrinha da criança: Paula Veloso. Ela foi citada no texto anterior por ser uma das filhas de João Veloso de Carvalho (1650-1711) e por isso nomeada em assento de batismo de criança escravizada pertencente a seu pai. João, bom lembrar, foi o avô paterno de Inês Veloso, conforme as pistas apresentadas naquele texto. A madrinha do menino Fernando foi, portanto, sua prima de primeiro grau.

Aqui retomo o testamento de Maria Machado, mãe de Paula Barreto e Juliana Muniz, em que ela declara que teve quatro filhas. Rheingantz (Primeiras Famílias do Rio de Janeiro), supõe que Maria tenha se casado com Fernando Barreto por volta de 1667 e que suas quatro filhas tenham nascido entre 1670 e 1679.

Rheingantz (Vol. II, p. 642)

Segundo o pesquisador Attila Augusto Cruz Machado, no entanto, existe um processo matrimonial no arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro que informa que esse matrimônio ocorreu em 1654. Solicitei acesso ao processo, mas a equipe do arquivo não o localizou. De qualquer forma, acredito que João Veloso foi casado com uma das filhas ainda não identificadas de Fernando Muniz Barreto e Maria Machado e que Rheingantz pode ter estimado mal os anos, pois, para que uma dessas filhas pudesse ter-se casado com João Veloso de Carvalho e gerado Miguel, pai de Inês, por volta de 1682, ao menos essa filha específica deveria ter nascido até 1668, estimando uma idade mínima de 14 anos para o matrimônio. O sobrenome de Barcelos, que Inês Veloso usou em adulta, deve, então, ter vindo pelo ramo de sua avó Maria Machado, que era filha de Antônio Machado de Barcelos.

Evidências adicionais que podem atestar a relação entre João Veloso e os de Barcelos são encontradas em ao menos três assentos paroquiais da freguesia de Santo Antônio de Jacutinga. A primeira delas é a nomeação de João como testemunha no casamento de Diogo Domingues, irmão de Maria Machado, portanto tio materno de sua esposa. É a transcrição do assento desse ato que lemos a seguir.

Em dois de julho de mil seiscentos e oitenta e dois, recebi nesta igreja, na forma do sagrado concílio tridentino e constituições a Diogo Domingues, filho de Antônio Machado de Barcelos e de sua mulher Bárbara Nunes, com Susana de Lima, filha de Pedro [Gonçalves] e de sua mulher Juliana das Neves. Assistiram-lhes João Veloso de Carvalho, Roque de Barcelos e outras […]

A segunda evidência está no assento de batismo – já apresentado no texto anterior – de filhos de uma escravizada que pertenceu ao mesmo Diogo Domingues. Nele se lê que dois dos filhos de João Veloso foram padrinhos.

Luis e Antônio // Aos trinta dias de março de mil seiscentos e noventa anos batizei e pus os Santos Óleos a Luis e Antônio gêmeos filhos de Domingas do gentio da guiné escrava de Diogo Domingues. Foram padrinhos Basílio Veloso e Dona Maria Veloso filhos de João Veloso de Carvalho. // O Padre Manuel de Souza Cassão

Finalmente, a terceira evidência está no assento de batismo do filho de uma escravizada de João Veloso, no qual lemos que a madrinha foi uma escravizada do já citado Diogo Domingues.

Nicolas // Aos dez dias do mês de setembro de mil e seiscentos e noventa anos batizei e pus os Santos Óleos a Nicolas filho de Maria do gentio de guiné escrava de João Veloso de Carvalho. Foram padrinhos Ventura de Miguel Cabral e Domingas de Diogo Domingues. // O Padre Manuel de Souza Cassão


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista

2 comentários

Aleixo – Genealogia Prática · 20 de fevereiro de 2025 às 08:13

[…] Manoel (pai e filho) os sete filhos de Fernando Muniz Barreto e Maria Machado, de quem tratei em texto anterior. Minha avó materna Durvalina descende de uma das filhas do casal cuja identidade ainda segue […]

Prole – Genealogia Prática · 27 de fevereiro de 2025 às 07:07

[…] terceira filha do casal, esta de identidade ainda desconhecida, foi casada com o cidadão João Veloso de Carvalho, morador da freguesia de Santo Antônio de […]

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