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A descoberta de meus antepassados africanos é um dos objetivos de minhas pesquisas genealógicas e também aquele no qual encontro os maiores desafios. Esses desafios se devem à já decantada falta de documentos e à dificuldade de encontrar correspondências específicas nos testes de DNA autossômico feitos por mim e por primos maternos com quem compartilho um ramo comum na ascendência do casal João Pereira Belém e Teodora Maria da Conceição. Recentemente, no entanto, os resultados de alguns desses testes, feitos com o laboratório Genera, começaram a trazer resultados interessantes, especialmente para minhas primas Regina e Simone.
Por teste de DNA mitocondrial (mtDNA) feito pela prima Suely, descobri que nossa bisavó Teodora era afrodescendente, pois essa prima, descendente em linha matrilinear direta de Teodora e de sua mãe Maria Gaspar, apresenta o mtDNA L1c2a3b, de inconfundível origem africana. Em outro texto que ainda será publicado, discuto a possibilidade de Felipe Rangel, pai de Teodora, ser também afrodescendente, filho de uma (ex-)escravizada com um varão da família Alves Rangel Pena Viana, da freguesia de Piedade do Iguaçu, Rio de Janeiro. Essa filiação seria explicável por meio de provas documentais e de correspondências de DNA autossômico para mim e meus primos.
Em texto publicado recentemente, levantei a possibilidade de meu bisavô João Pereira Belém ter recebido esse sobrenome composto por seu ramo materno. João era filho ilegítimo de Pedro Gomes de Moraes, herdeiro de uma família de senhores de terras e escravizados, comprovadamente um homem branco. João seria filho de Pedro com uma provável (ex-)escravizada da família Pereira Belém, que também era uma família branca e proprietária de terras e escravizados na freguesia de São Francisco Xavier de Itaguaí, Rio de Janeiro.
Mas eu sempre desconfiei de que teria mais antepassados africanos e de origens diversas, pois assim sugeriam mesmo as fracas estimativas étnicas de diferentes plataformas onde foram analisados os dados genéticos meus e de meus primos. Dessa forma, existiriam em meu ramo materno antepassados oriundos da Nigéria, de Angola-Congo e até de Moçambique, todos sequestrados pelo cruel tráfico transatlântico de escravizados, provavelmente entre os séculos XVIII e XIX.

No cenário acima, haveria ao menos três ramos ascendentes africanos em minha árvore materna no ramo que compartilho com as primas citadas. E é aqui que entram os resultados interessantes trazidos pelas correspondências (matches) de DNA dos testes de Regina e Simone. Por meio da ferramenta Busca Parentes da plataforma do laboratório Genera, encontrei dez matches de origem africana, isto é, africanos nativos que vivem no Brasil. Desses dez, apenas dois – E.C. Ngola e M.C. Issenguele – responderam minhas tentativas de contato até o momento. Ambos revelaram ser nativos de Malanje, Angola. Um deles foi mais específico e informou ser da etnia ambundo, que tem o quimbundo como língua materna.

O match E.C. Ngola estimou que os matches J.T.D. Cumena e S.M. Luemba B. seriam também nativos de Angola, mas que os matches F. Malungo e Mbiavanga G. seriam angolanos da etnia bacongo, falante da língua quicongo. Descobri que o match Quisito O.V. é de origem moçambicana, o que parece referendar os que as estimativas étnicas de alguns de nossos testes informavam. Apenas os matches K. Kabenguele e S.C.A. Mabote Mucumbi ficam sob suspeita de não serem importantes na revelação de minhas origens, pois aparecem apenas para a prima Simone, que pode ter antepassados africanos por um ramo que não compartilha comigo, com Regina e com Suely.
Nesse cenário, fica a forte indicação de que um de nossos antepassados tenha origem na etnia ambundo, que tem cultura banto e é considerada a segunda mais numerosa em Angola, sendo a etnia dominante na região de Luanda, capital do país. Essa era a etnia de Nzinga Mbandi (c. 1582–1663), conhecida como Rainha Nzinga, soberana que teve importante atuação durante a presença da coroa portuguesa na região de Angola. Na plataforma Netflix você pode assistir a uma série documental dedicada a ela.
José Araújo é genealogista.