Getting your Trinity Audio player ready...

Aos vinte e cinco de junho de mil oitocentos e trinta e três faleceu com os sacramentos o capitão João Pereira de Faria, residente que era na Freguesia de Marapicu deste bispado, casado com Dona Maria Amélia das Neves. Foi amortalhado em hábito franciscano, encomendado solenemente por quatro sacerdotes e sepultado em catacumba da fábrica desta matriz de São Francisco Xavier do Engenho Velho.

O João Pereira de Faria (1783-1833) cujo óbito se lê acima é no momento o principal candidato a pai de minha trisavó Joaquina da Conceição. De Pedro Gomes de Moraes, com quem jamais se casou, Joaquina teve meu bisavô João Pereira Belém (1848-1921). Embora os sobrenomes pareçam sugerir algum equívoco, a explicação está no costume daquela época de as mulheres adotarem nomes devocionais como da Conceição, da Anunciação etc. Joaquina seria uma Pereira Belém, filha de João e neta do português Francisco Antônio Pereira Belém (1746-1834). Este último adotou o Belém no Brasil, pois o sobrenome de seu ramo paterno era Pereira de Faria, e isso explica o sobrenome do suposto pai de minha trisavó, que suspeito ter sido uma mulher afrodescendente.

Em texto anterior, descrevi como Joaquina estaria relacionada a um homem chamado Alexandre Pereira Belém (a) que em 1834, com 18 anos de idade (portanto nascido em 1816), fora incluído no rol de escravizados de Joana Maria de Jesus, viúva de Francisco Antônio e mãe de João Pereira de Faria; (b) que depois, em 1875, foi padrinho, sem mais indicação de ser ainda cativo, no batismo de Gabriel, um menino escravizado que pertencia a um filho homônimo do mesmo João Pereira de Faria; (c) que em 1879, identificado apenas como solteiro, batizou o primogênito de meu bisavô João Pereira Belém; e (d) que faleceu em 1887 tendo sido descrito em seu óbito como um homem “preto, liberto, brasileiro, com 78 anos presumíveis e solteiro”.

Batismo de Gabriel, filho de Rachel, escravizada de João Pereira de Faria

Não obstante a discrepância de idade no óbito para alguém nascido em 1816, toda essa sequência de eventos parece tratar do mesmo Alexandre, que nasceu escravizado no Brasil, foi transferido como propriedade entre membros da família Pereira Belém – cujo sobrenome recebeu ou escolheu – e, depois de liberto, parece ter mantido a proximidade dessa família por razões e de formas até o momento ignoradas. Ainda não foi encontrado o inventário de João Pereira de Faria, o pai, para atestar que este tivesse a posse de Alexandre antes de falecer em 1833, mas essa pode ter sido a sequência dos acontecimentos e Alexandre pode ter sido libertado por João Pereira de Faria (1819-1880), o filho, entre 1834 e 1875.

Em inventário aberto em 1881 e encontrado com auxílio da ferramenta de busca por texto completo do FamilySearch, lê-se a seguinte relação de escravizados que pertencia a João Pereira de Faria, o filho, e a sua esposa Francisca Maria da Conceição: (1) João, (2) Felismino, (3) Bernardo, (4) Maria, (5) Eufrásia, (6) Marcos, (7) Joaquina, (8) Catarina, (9) Rachel, (10) Agostinha, (11) Felicidade, (12) Domingas, (13) Joaquim, (14) ?, (15) Cornélio e (16) Josefa.

A escravizada Rachel (9) deve ser a mesma cujo filho Gabriel foi batizado em 1875 tendo Alexandre Pereira Belém por padrinho. Eufrásia (5) e Marcos (6) parecem ter sido mãe e filho, pois foi encontrado um registro de batismo relacionando seus nomes datado de 1854. Domingas (12) deve ter tido ao menos dois filhos, pois foram encontrados registros de batismo de duas crianças – os pardos José (1875) e Sebastião (1877) – que tiveram por mãe uma mulher identificada como “Domingas, (de cor) fula”. Gabriel, José e Sebastião não aparecem no rol de escravizados transcrito acima, portanto ou faleceram na infância, ou foram vendidos ou libertados após o batismo.

Chamo atenção para os nomes dos escravizados João (1) e Joaquina (7), que são homônimos de meu bisavô e de minha trisavó. O ano de abertura (1881) do inventário de João Pereira de Faria, o filho, no entanto, sugere que não sejam as mesmas pessoas, pois nesse momento o primogênito de meu bisavô João – Pedro, nascido livre em 1879 – já completara cinco anos e seus irmãos João (1881) Manoel (1883) e Sérvulo (1884), também já eram nascidos e livres.

Um fator adicional em favor da possibilidade de o primeiro João Pereira de Faria, ser o pai de minha trisavó Joaquina está no fato de ela ter dado a seu filho, meu bisavô João, o mesmo nome daquele, conforme costume corrente na época. A busca parece longe de seu fim, mas essas são as pistas mais coerentes que pude reunir até o momento.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista