Aos três dias do mês de março de mil oitocentos e noventa e quatro, neste primeiro distrito do município de Iguaçu, cidade de Maxambomba, Estado do Rio de Janeiro, sendo quatro horas da tarde, na casa de residência do nubente Artur Rabelo Guimarães […] receberam-se em matrimônio segundo o regime comum e o costume do Estado Artur Rabelo Guimarães e Argemira Pereira da Silva, ele idade vinte e cinco anos, solteiro, brasileiro, filho natural de Julinda Dias Seabra, já falecida, natural e residente neste distrito, e ela idade vinte anos, solteira, brasileira, filha natural de Maria Pereira do Céu, já falecida, natural e residente neste distrito.
O registro matrimonial de meus bisavós Artur e Argemira informa que ambos eram filhos naturais apenas de suas mães, ou seja, eles não haviam tido o reconhecimento por parte de seus pais biológicos até aquele momento. Penso ter descoberto a identidade do pai de Artur, mas não pude até o este momento esclarecer a do pai de Argemira. Da mesma forma, por muito tempo persegui a identidade dos pais de Maria Pereira do Céu, mãe de Argemira e minha trisavó. Apenas consegui esclarecê-la a partir do reconhecimento de um grupo de relações de apadrinhamento e reconhecimento que representei de forma sintética no gráfico seguinte.

Assim pude encontrar no casal José Pereira da Silva e Fermiana Maria de Jesus (ou da Conceição) os pais biológicos de Maria. Por Fermiana Maria consegui avançar muito na Genealogia, alcançando um casal de escravizados da Guiné, uma mulher escravizada de Angola, um dos primeiros colonizadores da cidade do Rio de Janeiro, um aventureiro escocês e um casal de cristãos-novos que chegou ao Brasil junto com o terceiro governador-geral Mem de Sá.
José Pereira da Silva e Fermiana Maria de Jesus nunca se casaram, pois ele era já casado com uma mulher chamada Maria Luiza da Conceição, com quem teve quatro filhos: Tomás, Claudina, Maria e João. De Fermiana, ele teve mais sete: Felizarda, Damiana, João, Preciosa, Maria, Carlota e Francisco. Do registro de nascimento de um de seus netos pela filha Carlota obtive uma informação que me trouxe uma suspeita de qual poderia ser sua naturalidade. É desse registro a transcrição que se lê a seguir.
Número quatrocentos e quarenta e nove. Assento de nascimento. Aos trinta e um dias do mês de março de mil oitocentos e noventa e quatro, neste primeiro distrito do Município de Iguaçu, cidade de Maxambomba, estado do Rio de Janeiro, em meu cartório compareceu Júlio José Soares, em presença das testemunhas abaixo nomeadas e assinadas, declarou que nesta cidade, no dia vinte e oito do corrente mês, às cinco horas da tarde, nasceu uma criança do sexo masculino, de cor branca, filho natural de dona Carlota Pereira da Silva, profissão doméstica, natural e residente neste distrito, avós maternos José Pereira da Silva Lisboa, já falecido, e Fermiana Maria de Jesus. A criança há de chamar-se Antônio […]
No registro se informa que José Pereira da Silva poderia ter mais um sobrenome: Lisboa. Como essa informação não consta em nenhum dos registros de batismo e nascimento de seus filhos com Fermiana ou com a esposa Maria Luiza da Conceição, suspeitei de que essa pudesse ser sua naturalidade, que o escrivão inscreveu por engano como sobrenome. Era uma pista interessante a ser perseguida, mas havia um impedimento bastante concreto: em qual das freguesias de Lisboa teria nascido José, que o assento de batismo de seu filho João, exibido abaixo, informa ser filho de Francisco Pereira e Damiana Teresa?

Lisboa tinha mais de 40 freguesias na última década do século XIX e buscar em cada uma delas o registro de batismo de um José filho de Francisco e uma Damiana Teresa exigiria uma dedicação que me impediria de fazer qualquer outra pesquisa por um bom tempo. Mas a sorte parece ajudar o genealogista dedicado, como pude confirmar quando assisti à palestra que João Ventura, criador do portal Tombo.pt, deu ao canal Sephardic Genealogy no YouTube. Nessa entrevista, ele sugeriu outros portais além do seu, entre eles o Nós, Portugueses, que oferece a busca em sua base de dados mediante assinatura anual.
João informou que esse portal tem uma excelente indexação de registros paroquiais de Lisboa, o que me despertou a curiosidade. Fiz a assinatura – afinal Genealogia exige investimento – e busquei na Pesquisa Avançada pelos nomes dos pais de José Pereira da Silva. E bingo! Lá estavam eles: Francisco Pereira e Damiana Teresa casaram-se em Oeiras, Lisboa, em 11 de março de 1806. É a imagem do registro desse matrimônio que se vê a seguir.

Francisco Pereira, o noivo de Damiana Teresa, como revela seu registro matrimonial, era “soldado do Regimento de Artilharia da Corte” e natural de Miranda do Corvo. O portal informa ainda de dois filhos do casal: Francisco e Genoveva. Francisco, o suposto primogênito do casal, nasceu em 9 de julho de 1806, quase três meses após o casamento, pelo que se pode desconfiar de que o casal possa ter tido outro filho bem antes de se casar – meu antepassado José. Ainda não encontrei o registro desse nascimento, mas existe mais uma evidência a atestar que estou no caminho certo: Damiana Teresa era filha de João Ferreira Maia, e Maia é justamente o sobrenome que encontrei em Francisco, um dos filhos de José Pereira da Silva e Fermiana Maria de Jesus. Francisco da Silva Maia, teve com a esposa Graciliana Maria da Conceição um filho chamado Antônio, cujo nascimento foi reconhecido por meu bisavô Artur, como se vê no gráfico de apadrinhamentos e reconhecimentos acima.
O círculo parece completo, mas ainda pretendo encontrar o registro de batismo de meu tetravô José Pereira da Silva e talvez o passaporte que registre sua saída de Portugal com destino ao Rio de Janeiro, onde ele faleceu entre fevereiro de 1893 e fevereiro de 1894, segundo estimativa levantada pelos registros de batismo de seus filhos e netos.
José Araújo é genealogista.