Entre algumas das conhecidas e já clássicas obras dos grandes genealogistas do passado podemos citar o Catálogo genealógico das principais famílias que procederam de Albuquerques e Cavalcantes em Pernambuco e Caramurus na Bahia, de frei Antônio de Santa Maria Jaboatão (1695-1779); a Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica, escrita no século XVIII por Pedro Taques de Almeida Pais Leme (1714-1777) e depois atualizada até os limiares do século XIX na Genealogia Paulistana por seu primo Luiz Gonzaga da Silva Leme (1852-1919); e a Primeiras Famílias do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII), de Carlos Grandmasson Rheingantz (1915-1988). Essas obras se tornaram valiosas não apenas porque compilaram um considerável volume de informações sobre famílias fundadoras de diversas capitanias, províncias e estados do Brasil, mas também porque apresentam dados vitais sobre membros dessas famílias que podem já estar indisponíveis porque as fontes primárias que as continham já desapareceram.

O interesse por essas obras cresceu nos últimos anos por conta da necessidade de incontáveis brasileiros de comprovar suas ascendências familiares em povoadores coloniais que eram cristãos-novos – judeus convertidos – a fim de pleitear a cidadania europeia que fora facilitada por leis de reparação história na Espanha e em Portugal, nações que expulsaram, confiscaram os bens e mataram os cristãos-novos que haviam sido submetidos aos processos do Tribunal do Santo Ofício. Ocorre que, como cada vez mais brasileiros pleiteantes às cidadanias vem descobrindo, os grandes genealogistas do passado não seguiram os mesmos padrões genealógicos, cometeram falhas e marcaram seus textos com imprecisões que passaram a ser questionados com frequência pelos analistas históricos que analisam os relatórios genealógicos submetidos na primeira etapa do processo de pleito da cidadania, que é o reconhecimento da ascendência em um cristão-novo de origem ibérica ou sefardita.

A tendência evidente é que Portugal – como já fez a Espanha – torne caduca a lei que garantiu o direito de reparação aos descendentes dos sefarditas e feche essa porta para obtenção de um passaporte da Comunidade Europeia. Com isso, o interesse pelas obras dos grandes genealogistas provavelmente esfriará, e elas acabarão voltando ao lugar onde sempre estiveram – as prateleiras físicas e digitais dos genealogistas amadores e profissionais, que fazem pesquisas por amor, para atender a demandas de clientes esporádicos ou para publicação em jornais e revistas especializadas. Um fim melancólico depois de tanto interesse que fez “remover a poeira e as traças” de páginas já amassadas e amareladas pelos séculos e décadas de bons serviços prestados aos pesquisadores.

Defendo que essas obras merecem algo mais nobre que isso: que elas sejam relidas e atualizadas. Os tais analistas históricos que vêm apontando as falhas e imprecisões dos grandes mestres já sinalizaram que isso é necessário, e o momento talvez seja este, pois nunca antes tanta informação de valor genealógico esteve tão disponível – e tão facilmente – graças à digitalização de livros paroquiais, inventários, registros de terras, publicações periódicas e outras mais. O entendimento do valor deste momento foi bem percebido pela já saudosa genealogista Marta Maria Amato (1946-2020), que coordenou, no início dos anos 2000, a reedição da Genealogia Paulistana de Silva Leme, à qual foram feitas correções e acréscimos que deram à obra original um novo horizonte de existência e novos leitores.

Sei que nem todo pesquisador terá tempo ou interesse de empreender um esforço tão notável quanto o de Marta e seus colaboradores, mas o pesquisador que já explore as obras citadas e faça descobertas que permitam corrigir as falhas delas e ampliá-las deveria dar conhecimento de suas descobertas – como muitos fazem nas publicações especializadas – de forma mais aberta, pois nem todo interessado ou neófito terá condição de assinar as revistas ou se tornar membro das várias associações dedicadas à Genealogia. A sugestão é de que se faça algo na linha da divulgação científica, em linguagem acessível e com divulgação nos canais de mais acesso pelos leitores contemporâneos, sejam eles os blogues, o Instagram ou o TikTok, por exemplo. (Re)genealogizar os clássicos é preciso!


José Araújo é genealogista.