A plataforma MyHeritage começou a oferecer aos usuários que têm nela seus dados autossômicos a possibilidade de atualizar os percentuais étnicos para a versão 2.5, que eles informam ser “baseada em um novo algoritmo desenvolvido do zero pela equipe científica da empresa” após “dois anos de pesquisa e refinamento”. Segundo informação da plataforma, a nova versão “oferece maior detalhamento, abrangendo 79 etnias, em comparação às 42 da versão anterior. O modelo matemático também se fundamenta em “árvores genealógicas bem documentadas, corroboradas com análise de DNA”, o que sugere um nível adicional de confiabilidade. Dito isso, o que eu penso dessa nova versão a partir do que observei em meu teste e nos testes de meus primos?

Penso que a nova versão pode ter alguns acertos em relação à anterior, mas também pode ter erros novos e continuar suscetível à interpretação de alguns percentuais baixos – conhecidos como ruídos – como algo significativo. Desenvolverei esses comentários a partir dos percentuais de meus primos que inseri na tabela abaixo. WIL e REG são meus primos maternos de primeiro grau enquanto SUE, SIM e THA são primas maternas de segundo grau. ALE é prima paterna de primeiro grau – sua mãe é irmã de meu pai. Como referência, eu tenho avós paternos portugueses – meus e de ALE – que imigraram para o Brasil no início do século XX. Meu ramo materno tem ramos coloniais antigos e ao menos dois trisavós portugueses – meus e de WIL, REG e THA – que imigraram no século XIX.

MyHeritage – V. 2.5

Há antepassados italianos próximos nas árvores de ALE (avós paternos), REG (bisavó materna) e THA (bisavós paternos). THA também tem bisavós maternos espanhóis. A herança africana é comum para mim e meus primos maternos por um dos nossos casais de avós. A herança indígena deve ser recente para SUE e SIM, que têm antepassados nos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Norte, respectivamente. Eu e meus primos WIL e REG temos antepassados indígenas mais distantes identificados por provas documentais e DNA mitocondrial de primos genéticos com ascendência direta em uma mulher de Taubaté com haplogrupo B – que é tipicamente ameríndio.

Inicio a análise com as etnias para as quais possuo evidências documentais. Isso posto, acredito que o percentual Português parece coerente com o que sei sobre nossos antepassados mais próximos e, de todos os primos, o que mais se aproxima de meu perfil é WIL, pois temos um genitor – a mãe dele e meu pai – com ascendência portuguesa direta e outro com ascendência brasileira antiga e dois trisavós portugueses. O percentual Italiano, por outro lado, se revela menos preciso para REG do que para THA e ALE, a qual, por sinal, tem curiosamente maior percentual total italiano do que português. A plataforma parece se dirigir a casos como o dela ao declarar que mesmo “irmãos geralmente têm uma mistura diferente de etnicidades, herdadas aleatoriamente de seus 4 avós”. Onde eles dizem aleatório, eu digo loteria genética.

Para concluir os percentuais documentáveis, vemos que a herança africana é representada de forma distinta entre meus primos maternos, ainda que todos nós descendamos de mulheres – e homens – africanos que foram escravizados entre os séculos XVIII e XIX, dos quais dois – Maria Angola e Estêvão da Guiné – tiveram suas identidades comprovadas até agora. Aqui me atenho especificamente aos meus percentuais e aos de meus primos WIL e REG, que compartilhamos o mesmo casal de avós afrodescendentes, um dos quais relacionado aos africanos nomeados acima. Essa ancestralidade parece representada nos percentuais similares Centro-africano (Angola) e Nigeriano ou Oeste-africano (Guiné).

Os percentuais étnicos agrupados em laranja não têm respaldo na documentação disponível e suspeito que tenham relação com o percentual europeu Português. Argelino, Egípcio, Marroquino e Tunisiano poderiam compor o que antes se denominava Norte-Africano, muito provavelmente associado à herança da ocupação moura na Península Ibérica entre os séculos VIII e XV. Da mesma forma, o percentual agrupado como Espanhol, catalão e basco talvez tenha relação com o Português por uma disseminação desses componentes pela península. Por fim, os percentuais agrupados na seção verde carecem de comprovação documental e provavelmente refletem a baixa amostragem de grupos indígenas brasileiros na base de dados da plataforma.

Para os percentuais não documentáveis restantes (Bretão, Francês, Sardo, Inglês, Germânico e Grego e Albanês) não encontro outra explicação além do já mencionado ruído. Não estou tão certo quanto a atribuir a mesma explicação aos percentuais México e América Central do Norte, ao menos no caso de minhas primas SIM e SUE, que podem realmente ter antepassados indígenas recentes que não pude documentar. Nos casos delas, eu penso que os valores informados pela plataforma podem ser consequência de a ferramenta não dispor de amostras suficientes dos grupos indígenas brasileiros.

No mais, agora resta aguardar a próxima atualização para ver se ela manterá os novos elementos, se introduzirá outros mais – talvez aumentando a confusão – ou se introduzirá de fato maior precisão pela sinergia com dados de árvores genealógicas bem documentadas.


José Araújo é genealogista.


José Araújo

Genealogista