No passado, os sobrenomes eram escolhidos no crisma, quando a pessoa completava 14 ou 15 anos. Até esse momento, ela poderia responder apenas pelo nome recebido no ato de seu batismo. Mas se engana quem acredita que a escolha do sobrenome na adolescência pacificava a questão da identificação social e oficial na cultura luso-brasileira. Descrevo aqui alguns casos que demonstram como a pesquisa contemporânea se torna complexa pelas escolhas aparentemente aleatórias feitas por nossos antepassados até o século XIX.
Um aspecto bastante confuso nesse campo é o uso de nomes devocionais pelas mulheres. Esses nomes têm por característica a escolha de um nome de santa ou santo de devoção que é acrescentado após o prenome de batismo. Cito exemplos como Maria Teresa de Jesus, Joana Maria de São José. Em nenhum desses casos o sobrenome familiar é usado ou pode ser deduzido, o que torna complicado esclarecer a filiação de uma antepassada que os tivesse escolhido. E havia ainda um complicador: em diferentes etapas da vida, a antepassada poderia usar nomes devocionais distintos, como ‘da Conceição’ e ‘de Jesus’.
Um caso interessante de adoção de um aparente sobrenome com exclusão de um sobrenome original foi encontrado em minha pesquisa familiar no ramo Pereira Belém. O patriarca desse ramo foi um homem português nascido em Santa Maria do Abade, termo de Barcelos, em 19 de abril de 1746, no lar de Francisco Pereira de Faria e Maria Francisca. Pela lógica, esse meu antepassado batizado como Francisco deveria usar o sobrenome Pereira de Faria, pois era costume que os filhos homens seguissem com o sobrenome paterno. O fato é que, no Brasil, para onde Francisco emigrou em algum momento nos anos de 1780, ele consta em processo de banhos apenas como Francisco Antônio Pereira. De seu casamento com a brasileira Joana Maria de Jesus, resultaram oito filhos, dos quais os do sexo masculino usavam um sobrenome que Francisco parece ter adotado posteriormente: Pereira Belém. Apenas um deles, batizado como João (1783-1833), usou o Pereira de Faria. Uma prima genealogista cogita a possibilidade de o patriarca Francisco Antônio ter adotado o Pereira Belém para se distinguir dos Pereira de Faria, família tradicional já estabelecida na região do Morgado de Marapicu, Rio de Janeiro, onde Francisco se fixou.

Por fim, existem os estranhos casos dos sobrenomes familiares que podem desaparecer em uma geração e reaparecer em outra distante sem explicação aparente. Por mais estranhos que possam parecer, esses casos têm potencial para ajudar o pesquisador contemporâneo a bater o martelo em casos de identificação de filiação em que possa haver potencial de homonímia. Foi o que verifiquei quando pacifiquei a filiação de meu tetravô José Pereira da Silva em um casal que contraiu matrimônio em Oeiras, Lisboa, porque um filho natural desse tetravô usou de forma exclusiva o sobrenome Maia, que seu pai não usava nem foi encontrado entre seus irmãos, mas era o sobrenome do avô materno desse meu tetravô.
José Araújo é genealogista.